quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A CONSTRUÇÃO DA FIGURA DO LÍDER: UMA REFLEXÃO



Este texto é uma resposta a minha E-pístola A Cura Superficial. Foi escrito por um de meus amigos e companheiros na causa da Verdade do Evangelho, Jonatan Santos. Espero que vocês sejam profundamente edificados.

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Esse texto que aqui escrevo surgiu através da leitura de uma e-pístola de meu amigo Pablo Luiz, chamada “A Cura Superficial”. Especificadamente, acrescentarei minhas considerações apenas ao tópico III. Nele é retratado o discurso da dominação do liderado através da construção da figura do líder como uma autoridade mística e intocável e um retorno indevido aos rudimentos do Velho Testamento.
Pois bem, é inquestionável que a igreja brasileira atual tem aberto os olhos em relação ao discurso subversivo de dominação do fiel através da criação de toda uma simbologia de misticismo da figura do líder, seja ele pastor, líder de ministério, obreiro, conselheiro, discipulador, etc. A pessoa é levada a crer no líder como uma pessoa infalível e inerrante, "a voz de Deus para sua vida", uma pessoa inquestionável e cuja honra não pode ser exposta e tocada, sob pena de uma dura reprimenda por parte de Deus”. Isso nos implica em perceber se realmente estamos nos padrões da cultura do reino ou de uma cultura religiosa, que se sustenta do homem para o homem e não de Deus para o homem.
Essa questão da simbologia do misticismo leva ao fiel crer incondicionalmente que seu líder é infalível, um super herói que sempre estará ali para socorrê-lo de seus pecados ou fragilidades. Essa visão de líder é extremamente equivocada. Ser líder é ser como Jesus que emanava a graça de Deus por onde ele passava. Não só através de suas parábolas, de suas pregações, dos milagres, mas principalmente pelo modo de se viver, de se transmitir a cultura do reino.
         A liderança de Jesus foi perfeita, pois ele não ensinou sobre liderança nas coisas da terra, no padrão das convicções humanas, mas sim nas celestiais. Ao falarmos de líder, logo imaginamos alguém que devemos obedecer; que devemos estar sujeitos cegamente. Jesus veio quebrar esse paradigma. “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer” (João 15.14-15).

Jesus foi um líder amigo. Desde o principio quando ele escolheu os doze discípulos já tinha estabelecido em seu coração uma relação de amizade íntima como forma de ensinar, através da amizade emanar a graça sobre a vida deles. Essa estratégia de não discipular uma multidão, mas apenas doze pessoas mostra uma virtude da cultura do reino. A multidão foi ensinada a respeito do reino de Deus, mas os doze conheceriam na essência tal cultura pela convivência com o mestre. A diferença era que a multidão ouvia muito falar de Deus, enquanto que os discípulos não só ouviam, mas experimentavam na pura vitalidade do viver o Reino, através do modo de Jesus vivia e agia. A cultura do reino emanada através do Rei dos Reis foi estabelecida nos doze.
Gosto sempre de falar, caro leitor, que não o conheço ou até posso ter conhecê-lo através de alguns diálogos. E mesmo já tendo dialogado, de fato, não o conheço. Pois quem realmente conhece você é a sua família: seu pai, sua mãe, seus irmãos. Aqueles que convivem com você todos os dias. Eles conhecem quem você realmente é; seus podres, seus defeitos, seus hábitos; conhecem a sua cultura, seu modo de ser, agir e pensar.
           Jesus poderia discipular toda aquela multidão porque Ele conhecia o coração de todos, uma vez que era Deus Filho. Mas para ensinar aos discípulos, ele decidiu criar um grupo de amigos. Onde Jesus seria o referencial de líder, para que os doze futuros líderes ensinassem na essência o que é liderar no Reino, na cultura do Reino. Liderar formando amizades, onde se estabelecesse laços de companheirismo como de uma família. Onde o irmão ajuda o outro. Dessa forma, o líder não se torna uma figura mística, dono das revelações. Mas sim, um referencial de graça e amor, prevalecendo a unidade no discipulado. Coisas que nas igrejas atuais é difícil encontrar. 
          Na ótica da cultura religiosa: “O líder é exaltado como um "super crente", tendo sobre a sua vida uma "unção" que é transferível ao liderado pela obediência, honra e aliança incondicionais. O líder passa, então, a ser visto como a única opção de cura para a vida da pessoa. O liderado é adestrado a obedecer e trabalhar pelo sistema sem questionar, como um cavalo com cabresto. O líder requer a mesma posição de homens santos como Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, entre outros profetas do Velho Testamento; querem a "honra de profeta". Outros já se autodenominam de "patriarcas", requerendo o mesmo status de Abraão. Outros querem o status de "apóstolo", não no sentido de um dos possíveis ministérios que Jesus quer nos dar para edificar a sua igreja, mas no sentido de ter o mesmo status de homens como Paulo e Pedro, a fim de se fazerem receptores inquestionáveis da "revelação" de Deus para a vida dos fiéis”. 
         Essa questão de serem os donos da revelação é algo que deve ser abolido urgentemente das igrejas. A liderança deve buscar sabedoria e graça em Deus para que tais coisas não aconteçam. Um exemplo, típico disso é quando um discípulo peca e urgentemente já vai ligando para seu líder, contar seus pecados e receber a revelação do líder para uma cura imediata do peso do pecado. Em contrapartida, o líder libera a palavra, a "revelação" e tudo fica bem. Há um grande erro nisso tudo. Você consegue enxergá-lo? Um líder de verdade perguntaria para o discípulo quando ele ligasse: “Você já conversou com Deus, sobre sua queda? Já pediu perdão para ele? O que foi que ele te disse?”.
Esse líder está ensinando seu discípulo a não depender dele, a olhar para Deus, a buscar em Deus a cura de suas fragilidades. Esse é um líder amigo que direciona seu liderado a uma comunhão intensa com Deus. Ensina-o a entrar no lugar que Deus criou para estamos, é neste lugar que a cultura do Reino é entronizada em nossas vidas.
Um líder amigo, diferente do líder religioso, deseja que seu liderado seja tão usado por Deus quanto ele, ou até mais que ele. Um dos episódios mais utilizados para sustentar todo um esquema de dependência dos líderes espirituais esta na pergunta: “mas a unção de Elias não foi transferida para Eliseu? E ele não a recebeu em virtude de ser aquele que andava mais perto de Elias do que todos os outros discípulos de profeta? (2 Reis 2). A pessoa é condicionada a entender que a mesma unção que está sobre o líder estará sobre o liderado e este tem de obedecê-lo sem reservas para prosperar e receber a unção”. 
        Esse esquema de dependência aprisiona o crescimento do discípulo e, muitas vezes, prende os dons que Deus já deu. Devemos prosperar na unção que Deus nos dá, na unção que vem dos céus. Cada um dos discípulos era diferente e Jesus os direcionava segundo os dons que eles tinham. Judas ficou com a parte financeira, a parte administrativa do pensar: nas despesas, nos custos, no calcular, no organizar. Já Pedro foi treinado para ser o cabeça, tomar decisões; tinha espírito de liderança firmado na rocha, nos princípios da cultura do Reino. Jesus, como um líder amigo, direcionava cada um deles para frutificarem naquilo que queimava no coração de cada um.
           Nesse esquema de dependência de líderes: “Cria-se, então, todo um sistema de hierarquia rígida e inquestionável para fazer com que uma determinada estrutura religiosa se sustente. Com certeza, a unção de Elias foi transferida para Eliseu, mas a razão de tal transferência não foi a vontade do homem. Não foi algo que aconteceu por causa da aliança que eles tinham. A transferência não se deu por causa do esforço humano. Foi algo determinado pelo eterno propósito de Deus, o qual de antemão, desde antes da fundação do mundo, estabeleceu que assim o fosse. Deus tinha um propósito na aliança entre Eliseu e Elias, e a transferência da unção ocorreu já que o Senhor tinha em vista a continuidade do mesmo tipo de ministério desempenhado por Elias e escolheu de forma soberana o vaso que seria usado para tal, qual seja Eliseu”.
          Eliseu, sem dúvidas, honrava Elias como líder, da mesma forma que os doze discípulos honravam Jesus como líder. Assim, honrar é demonstrar profundo respeito pelo semelhante. É a forma de tratamento que devotamos às pessoas que respeitamos. Logo, honrar não significa nos submetermos a uma liderança a ponto de nos cegarmos espiritualmente, seguindo um esquema de dependência. Mas, sendo amigos, a ponto de chegar a um objetivo: viver (líder e liderado) a cultura do Reino, não como servos cegos, mas como amigos que ensinam uns aos outros ouvirem a voz de Deus, para que se edifiquem. Um braço ajudando a perna, a perna ajudando o pescoço. Somos um corpo. “já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer” (João 15.14-15).
Portanto, na lei você obedece e recebe o benefício; na graça você recebe o benefício e passa a obedecer. Toda relação de líder e liderado deve ser baseado na Graça.
        
Abraços fraternos,

Jonatan Santos
Outubro de 2011

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