quarta-feira, 2 de outubro de 2013

ESCOLHA-SE



Se ninguém lhe escutou ou lhe compreendeu, escolha escutar-se e compreender-se, ouça as batidas do seu coração.

Se ninguém afirmou sua importância, escolha afirmar-se, fale palavras bonitas para você, para aquela parte mais frágil do seu ser.

Se ninguém lhe fez sentir-se seguro, escolha sair do sentimento de desamparo e ampare-se, decida aprender a ser um bom cuidador de si mesmo.

Se ninguém lhe tocou, escolha abraçar-se e dar-se todo o amor que você precisa.

Se ninguém lhe incluiu ou lhe escolheu para algo, escolha-se.

Escolha-se; só você pode fazer isso; só você pode entender a profundidade do seu ser.

Se você não se escolher na profundidade de seus desejos mais delicados e buscar em outras pessoas o seu valor, você levará uma vida vazia de sentido e cheia de ansiedade e medo.

Acima de tudo, escolha entregar tudo o que você é para Deus, porque Ele escolheu você antes da fundação do mundo e, então, a escolha que você fez de se escolher para o seu bem será a escolha do maior dom do universo: o amor de Deus, que faz você se amar de forma plena e poder amar o outro em inteireza.


Pablo Luiz Rodrigues Ferreira.
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: OS MODOS DE CONHECER DOS HEMISFÉRIOS CEREBRAIS ESQUERDO E DIREITO E A SUA RELAÇÃO COM A RESTAURAÇÃO DAS CAPACIDADES RELACIONAIS DO HOMEM, BEM COMO UMA APRECIAÇÃO CRÍTICA DA ABSORÇÃO DA “MENTALIDADE GREGA” PELA IGREJA CRISTÃ AO LONGO DE SUA HISTÓRIA




A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: A RESTAURAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS COMO PARTE INTEGRANTE DA RENOVAÇÃO DA MENTE - PARTE 2

(...)

IV) A “neuroespiritualidade” do “nós”: os modos de conhecer dos hemisférios cerebrais esquerdo e direito e a sua relação com a restauração das capacidades relacionais do homem, bem como uma apreciação crítica da absorção da “mentalidade grega” pela igreja cristã ao longo de sua história

            O pecado original trouxe separação; Deus nos traz reconciliação. Não há, contudo, reconciliação sem arrependimento e perdão. Todos nós precisamos de reconciliação e cura em três níveis de relacionamento: no relacionamento com Deus, no relacionamento consigo mesmo e no relacionamento com as pessoas. Todos os homens, neste mundo decaído e sujeito ao cativeiro da corrupção, estão partidos e separados em seus relacionamentos interiores e exteriores, de maneira que, no intuito de obter inteireza emocional e mental e a oportunidade de se maturar como pessoas, nós devemos reconhecer e profundamente nos arrepender das separações existentes em nossas vidas (cf. PAYNE, Leanne. The Healing Presence: Curing the soul through union with Christ. Grand Rapids: Baker Books, 1995, p. 37).
            Nossa reconciliação com Deus é fundamental, contudo, não podemos parar neste ponto, já que a verdadeira personalidade é enraizada em relacionamentos: primeiro com Deus e, por via de consequência, com tudo o que Ele criou, incluindo aí a nossa família, amigos, autoridades, vínculos de trabalho, enfim, o nosso semelhante; não basta ser participante da natureza divina pelo novo nascimento (regeneração), mas é preciso nos movermos através de relacionamentos sadios e de confiança para vivermos as realidades mais profundas do Reino de Deus como o Corpo de Cristo, notadamente a compaixão e o amor, que cobre multidões de pecados: “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados” (1 Pedro 4:8 - ARA).
            Jesus não só ensinou o caminho, a verdade e a vida através de palavras e discursos, mas Ele se definiu como o caminho, a verdade e a vida, pelo que se pode inferir que, quanto mais conhecemos Jesus em um relacionamento de intimidade, maior será a profundidade do entendimento espiritual que teremos acerca do que é o caminho, a verdade e a vida. Cristo nos chama para conhecê-lo e desfrutar de um relacionamento de confiança mútua, inclusive com nossos irmãos na fé, porque é este tipo de relacionamento que nos proporciona a forma mais elevada de conhecimento, o relacional, e transforma-nos como pessoas, curando os nossos aspectos relacionais partidos, a exemplo do que o tão citado trecho de Tiago 5:15-16 nos diz a respeito da confissão de pecados e da oração do justo:

15 E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. 16 Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo. 
           
Jesus, em seu ministério terreno, estava sempre atraindo pecadores para dialogar e estabelecer relacionamento com Ele, cativando os quebrados e desprezados deste mundo através da vida e da confiança que Ele transmitia, fazendo-os enxergar as verdades mais profundas, inclusive a respeito si mesmos, verdades estas que têm o poder de transformar, exortando-os ao arrependimento para que pudessem restaurar o relacionamento com o Pai Eterno e prosseguir nesse real e verdadeiro caminho da salvação pela graça de Deus mediante a fé (de forma semelhante, mas aplicado ao relacionamento desenvolvido na terapia psicológica, consultar BAKER, Mark W. Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante, 2005, p. 16-17).
            Isso foi o que aconteceu, por exemplo, com a mulher samaritana (João 3), uma pecadora machucada e envergonhada pelos pecados sexuais, que já tinha procurado seu valor, identidade e destino nutrindo relacionamentos sexuais com tantos homens, mas ainda continuava seca e estilhaçada por dentro, relacionando-se impiamente com um homem que não era seu marido, com um vazio na alma que só o relacionamento direto com Jesus pôde preencher, trazendo-lhe o fim dos cativeiros e a restauração de sua alegria.
            Ninguém pode conhecer todas as realidades da vida tão somente se utilizando do intelecto. Reduzir nosso conhecimento ao nível do conhecimento intelectual é ser um homem de meio cérebro, já que este tipo de conhecimento lógico, linguístico, linear, literal é ligado ao hemisfério cerebral esquerdo. Há outras formas de conhecimento ligadas ao hemisfério cerebral direito e que necessitam ser cultivadas e desenvolvidas a fim de que possamos ser mais eficazes e sadios em nossas habilidades relacionais, tais como a percepção de um mapa integrado do corpo (sentir dor e toque, além do reconhecimento cerebral de que temos mãos, pés, cabeça, etc.), a orientação visuoespacial (o senso de três dimensões – onde os seres humanos e os objetos estão no espaço em relação a um ao outro), a percepção do contexto social e emocional (que nos ajuda a interagir de forma adequada com outros e nos ajuda a conduzir o fluxo das conversas e outras interações levando em consideração as circunstâncias que nos rodeiam), o senso holístico de experiência (a captação e percepção da experiência com uma análise global e um entendimento geral da mesma em todos os seus elementos sensoriais, emocionais, etc.) e a comunicação não verbal (a qual é responsável por 60 a 90 por cento de toda a comunicação humana, tais como as formas de toque, as expressões faciais, os tons de voz, sinais, etc.) (a este respeito, acerca das conexões entre as neurociências e a espiritualidade cristã, consultar THOMPSON, Curt. Anatomy of the Soul: Surprising connections between neuroscience and spiritual practices that can transform your life and relationships. Tyndale Publishing House, 2010, p. 33-34). 
Sem desprezar as formas de conhecimento do hemisfério cerebral esquerdo, principalmente no que tange à aquisição das doutrinas bíblicas, as quais são fundamentais como matéria-prima para a renovação da mente, já que as mesmas nos mostram o padrão do caminho de retidão capaz de destruir a atuação da iniquidade, devemos cultivar também as formas de conhecimento relacionadas ao hemisfério cerebral direito, o que, como se disse, é fundamental para a melhoria e maturação dos nossos aspectos relacionais, porque, em tais formas, nós adquirirmos o patamar mais elevado e mais nobre de conhecimento que se pode obter, o ser conhecido, o qual nos tira do isolamento, quebrando as cadeias da vergonha, do medo, da rejeição, da culpa, dos sentimentos negativos com a exposição dos mesmos em um relacionamento maduro de confiança e empatia, diluindo, assim, a dor, mudando, resolvendo, curando e/ou validando os sentimentos e expectativas de vida, possibilitando-se, assim, o desenvolvimento do fruto do Espírito, notadamente o amor, ou seja, a restauração das capacidades de amar e ser amado.
Isto, portanto, confirma sobremodo o valor das disciplinas da confissão de pecados e da oração específica sobre os mesmos, do discipulado individual, do aconselhamento, dos relacionamentos de ajuda de uma forma geral, desenvolvidos por psicólogos cristãos e ministérios de ajuda em uma área específica (família, sexualidade, finanças, etc.), tudo em consonância com Tiago 5:16. Neste sentido, trago à colação as preciosas palavras de Mark Laaser:

Cada vez que compartilho minha dor com outros e eles podem compartilhar sua dor comigo, conectamo-nos. Sempre que isto acontece, minha dor se mitiga. Minha vergonha e minhas feridas me oferecem a oportunidade de compreender a dor de muita gente. Isto foi o que fez Cristo: veio a Terra e compartilhou nossa dor. Jesus conheceu a dúvida, a angústia, a traição, a dor e o abandono. Conforme compreendo que Deus, em Cristo, compartilha minha dor, cada vez minha carga se alivia e se faz mais fácil levá-la (LAASER, Mark R. Cómo sanar las heridas de la adicción sexual. Miami: Vida, 2005, p. 163, tradução minha do espanhol).

Muitas congregações religiosas resumem-se a um culto de ensino de doutrina (ou mesmo de mensagens superficiais) para a generalidade das pessoas, em que tudo é centralizado nas mãos de um pastor sobrecarregado. Tal metodologia é falha e precária, justamente pela falta de vínculos sadios de relacionamento entre os membros da congregação, bem como pela carência de relacionamentos de ajuda, isto porque a restauração das capacidades de amar e ser amado não se trata tão somente de aquisição de conhecimento lógico-doutrinário, mas, sobretudo, da estruturação de vínculos de amor, afeto, confiança e empatia que possibilitem que as pessoas possam dar-se a conhecer e, no meio deste processo, chegar a uma auto percepção das verdades mais profundas acerca de si mesmas dentro de seu histórico de vida, a fim de viabilizar o processo de mudança e restauração de referenciais de relacionamento que porventura tenham sido partidos em relacionamentos não sadios, disfuncionais ocorridos anteriormente. Neste particular, importante considerar os ensinamentos da psicóloga cristã Esly Regina Carvalho:

A falta de saúde no coração é um dos maiores obstáculos para o crescimento espiritual e santidade do cristão. (...). Informação não é suficiente. Se fosse, os sermões já teriam curado todo o nosso povo, porque excelentes informações são compartilhadas em muitas pregações. Mas a informação intelectual muda muito pouco a conduta. Não toca a parte necessária do nosso cérebro responsável pela mudança de comportamento. E pouco toca nosso coração. Por isso sabemos de excelentes pregações e também de cristãos que continuam lutando com seus problemas emocionais. (...) Tiago 5.16 nos diz que devemos confessar nossos pecados uns aos outros e orar uns pelos outros para sermos curados. Essa é uma das receitas mais preciosas que temos para a saúde do coração. (...). Uma pessoa que tem uma ferida no seu coração não é capaz de ser santa nessa área de sua vida. A dor da ferida a impede. Mas, se ajudarmos a curar essa ferida, derramando o amor incondicional de Deus nesse lugar, por meio da nossa aceitação incondicional, pouco a pouco veremos essa pessoa se tornar cada vez mais santa, mais parecida com Jesus (Saúde emocional e vida cristã. Viçosa: Ultimato, 2002, p. 12-13, grifos nossos).

O mundo jaz no maligno e, assim sendo, toda a forma de aquisição de conhecimento está sujeita ao cativeiro da vaidade do individualismo, de modo que os homens vêm adquirindo conhecimento ao longo das épocas para se justificar e mostrar que estão com a razão, a fim de não glorificar Deus como o Senhor soberano sobre tudo e todos, nem lhe dar graças, dando ênfase nas coisas criadas, adorando-as e, por conseguinte, excluindo o Criador da base da formação da ciência (Romanos 1:19-25), sob o argumento de que Ele não é “empiricamente verificável” à luz das metodologias da indução, da dedução, enfim, da experimentação necessária para provar as hipóteses da “verdade válida” apta a demonstrar uma relação de causa e efeito; isto é o que o apóstolo Paulo chama, em Romanos 1:18, de “deter a verdade em injustiça”, isto é, os homens detém a verdade a sua própria maneira, tentando usurpá-la da propriedade do Senhor Jeová, que é o seu único e verdadeiro autor intelectual, “mudando a verdade de Deus em mentira” (Romanos 1:25), tudo com a finalidade de sustentar, justificar e validar a impiedade e perversidade humanas. Fizeram isto com tanta intensidade que “se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Romanos 1:11-12 - ARA).
Esse modelo reducionista de obtenção da “verdade válida” apenas se utilizando das faculdades do intelecto, o que atualmente se sabe estar ligada a atividade do hemisfério cerebral esquerdo é uma herança da mentalidade grega, especialmente de Aristóteles; ele confinava o modo do homem receber o conhecimento aos dados obtidos através de sua experiência dos sentidos e da razão; dentro desta perspectiva, o homem entra em contato com o real sintetizando a experiência por meio da razão. Aristóteles desenvolveu uma epistemologia (teoria do conhecimento) que valorizou, assim, as formas de conhecimento ligadas ao que tem sido denominado de mente consciente, desprezando e rechaçando o pensamento de Platão, que também incluía como conhecimento válido os modos de conhecer da inspiração divina, do poeta e do profeta, do sonho e da visão e, o mais importante, os modos de conhecer do amor, que, como se sabe, é atributo essencial do nosso Deus (1 João 4:8). Estes são os caminhos do que comumente se denomina de mente inconsciente: a figura, a metáfora, o símbolo, o mito e, com o amor, o caminho da encarnação de Cristo neste mundo, o qual uniu aquilo que antes era considerado como “mito” (ou como profecia) com a realidade do fato. Se a corrente de Platão tivesse sido vitoriosa com a manutenção das citadas formas de conhecimento, não teríamos o termo contraditório “mente inconsciente” no vocabulário atual, já que, em verdade, não se trata de inconsciente, mas de diversas formas de consciência, o que hoje, com o avanço das neurociências, sabe-se estar ligada principalmente a atividade do hemisfério cerebral direito (cf. PAYNE, Leanne. Imagens Partidas: Restaurando a integridade pessoal por meio da oração. São Paulo: SEPAL, 2000, p. 192).
A epistemologia, isto é, a teoria do conhecimento, estabeleceu o que considera como aceitável em termos de estudo da origem, da estrutura, dos métodos e da validade do conhecimento; ela é uma das principais áreas da filosofia e compreende a possibilidade do conhecimento, ou seja, se é possível o ser humano alcançar o conhecimento total e genuíno, tratando da origem do conhecimento.
A teologia cristã desenvolveu ao longo dos tempos a sua epistemologia, estabelecendo o que considera como válido em termos de possibilidade do conhecimento; e o pensamento cristão acabou por se entranhar deste “espírito da Grécia”, aceitando as pressuposições do pensamento Aristotélico e incorporando-as a sua teologia, especialmente através de São Tomás de Aquino, o qual atrelou umbilicalmente a fé e a razão, de modo que a compreensão judaico-cristã a respeito do coração profundo (a chamada mente inconsciente e seu modo de conhecer) simplesmente sumiu de vista, até mesmo porque não havia categorias cognitivas pelas quais reconhecê-lo (neste sentido, PAYNE, Leanne. Real Presence: The glory of Christ with us and within us. Grand Rapids: Baker Books, 1995, p. 131-132).     
Em decorrência da adoção da corrente de Aristóteles (e também de São Tomás de Aquino na teologia), cristãos e não cristãos passaram, de igual modo, a valorizar exclusivamente o intelecto, os modos de conhecer da mente consciente, do hemisfério cerebral esquerdo, como formas de conhecer superiores, em detrimento da intuição, da chamada mente inconsciente, das formas de conhecer do hemisfério cerebral direito, o que, sem dúvida, tem sido um obstáculo para que o pensamento cristão entenda a imaginação criativa, bem como suprimiu em grande escala a compreensão da obra do Espírito Santo no homem (neste sentido, PAYNE, Imagens Partidas, p. 193 e PAYNE, Real Presence, p. 132).
Entretanto, Deus não criou um homem de meio cérebro, mas um homem com uma mente integrada para desempenhar todo o seu potencial, dominando e intervindo sobre a natureza; o homem é um ser relacional e, tanto é assim, que se desenvolve extraindo as formas de saber da experiência com outros, notadamente a partir da família e de seus primeiros cuidadores, de seus referenciais de autoridade, o que não é uma questão ligada tão somente à aquisição de conhecimento lógico, mas também tem haver profundamente com as formas de saber ligadas ao hemisfério cerebral direito, na conformidade do descrito acima.     
Essa falha no entendimento das formas peculiares de saber ligadas ao que se chama de mente inconsciente ou das funções do hemisfério cerebral direito, conforme atualmente nos apresentam as neurociências, tem trazido sérios problemas, uma vez que é a faculdade intuitiva (e não o raciocínio) que é a sede da imaginação criativa, da memória e dos dons do Espírito Santo (cf. PAYNE, Imagens Partidas, p. 192 e PAYNE, Real Presence, p. 131); até mesmo porque os dons do Espírito Santo não são dons que atuam tão somente num plano lógico, linear, literal e linguístico, mas, sobretudo, são capacitações do Espírito para a edificação do outro, do Corpo de Cristo como um todo, o que certamente pressupõe o nível relacional e, por via de consequência, as formas de saber ligadas ao hemisfério cerebral direito.
Essa herança grega, que reduz a possibilidade do conhecimento aos modos de conhecer do intelecto, da razão e do conhecimento empírico, as quais são lógicas, lineares, literais e linguísticas e, portanto, ligadas a atividade do hemisfério cerebral esquerdo, tem dominado a nossa maneira cultural de pensar pelos últimos quatrocentos anos, sendo que, a título de exemplo, a maior parte dos sistemas educacionais se baseia no conceito de que você pode aprender através da retenção de informações sem a necessidade de aplicação prática, o que, em grande parte, tem gerado alunos recém-formados nas universidades que não sabem fazer nada quando começam a trabalhar e precisam aprender o como fazer no próprio emprego (cf. THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 8; COPE, Landa. Template Social do Antigo Testamento: Redescobrindo princípios de Deus para discipular as nações. 3 ed. Almirante Tamandaré: Editora Jocum Brasil: 2011, p. 130).
A forma mental de processamento do hemisfério cerebral esquerdo desconsidera os elementos emocionais de confiança inerentes ao hemisfério cerebral direito, que são necessários para a vida em desenvolvimento. Quando eu sei que eu sei alguma coisa porque eu posso logicamente prová-la (forma de processamento mental do hemisfério cerebral esquerdo), eu me afasto da confiança (forma de processamento mental do hemisfério cerebral direito); quando eu não mais confio, eu não mais fico aberto a ser conhecido, relacionar-me e amar o outro, acabando por me fechar dentro de uma concha, de um muro de proteção que prejudica a minha capacidade de se relacionar de forma sadia (cf. THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 8-9).
Neste mundo dominado pela herança grega, conhecimento é basicamente entendido como informação factual a respeito do objeto a ser conhecido e explicado; é uma atividade que envolve uma pessoa (sujeito primário) pensando, sentindo e agindo enquanto separado da ideia, objeto ou pessoa em direção as quais os seus pensamentos, sentimentos ou ações são direcionadas.
Tal forma de conhecer, ligada à atividade mental do hemisfério cerebral esquerdo, é tão valorizada neste mundo que, como regra geral, as profissões mais bem remuneradas são aquelas a predominância deste tipo de pensamento, tais como as do ramo do Direito, engenharia, medicina, em detrimento de outras profissões como a dos artistas plásticos, músicos e escritores literários, o que logicamente comporta exceções (cf. ENLOW, Johnny. A Profecia das Sete Montanhas: Desvendando a próxima revolução de Elias. São José dos Campos: Shofar, 2008, p. 122).
A dominância cerebral esquerda alcança inclusive os seminários teológicos e até mesmo congregações inteiras, os quais acabam reduzindo o conhecimento do cristianismo às categorias da lógica, gerando, assim, uma leitura fria e humanista da Bíblia por privilegiar o racionalismo em detrimento do conhecimento gerado pelo relacionamento com Deus, sendo este último a essência do cristianismo e, por via de consequência, formando pastores e obreiros que, apesar de terem um alto conhecimento técnico, teórico, histórico e interpretativo da Palavra de Deus, são altamente tóxicos e nocivos para as congregações pela ausência do fruto do Espírito Santo em suas vidas.
Infelizmente, nossos seminários teológicos têm produzido líderes e obreiros altamente intelectualizados, mas que, em grande parte, nunca prestaram e nem prestam contas de sua vida e de seu ministério para ninguém; líderes e obreiros que nunca se submeteram a um discipulado individual sério e, assim, passam a vida toda com a podridão de caráter intacta, com a iniquidade não tratada, porque nunca souberam na prática o que é o poder transformador da humilhação e da exposição da vergonha dentro de um relacionamento de amor e confiança para serem curados e moldados. Esta falta de prestação de contas é um sério indício de que a liderança de uma igreja está enferma pela iniquidade e necessita de restauração, podendo inclusive conter falsos mestres e profetas, a exemplo do que a epistola de Judas denuncia, especialmente o versículo 12 que os chama de “pastores que a si mesmo se apascentam”, contaminados por toda sorte de paixões da carne, tais como soberba, sensualidade, libertinagem, ganância, etc.
Os líderes com a iniquidade intacta, bem como os membros de uma congregação com o caráter não tratado acabam usando o conhecimento que adquiriram, além da posição, prestígio ou status que ocupam para proveito próprio, para realização pessoal e/ou para autoafirmação, passando a cultivar um profundo senso de orgulho, justiça própria e menosprezo do outro que sabe menos, que tem menos posses ou status, recebendo do inferno a paternidade de Leviatã, que vê tudo aquilo que alto e é o rei dos filhos da soberba (Jó 41:1-34, versão Almeida Corrigida Fiel – ACF). Isto também é “deter a verdade em injustiça” (Romanos 1:18), já que a aquisição e o uso do conhecimento das Escrituras serve tão somente de combustível para a soberba e não para glorificar a Deus e ajudar as pessoas, o que, na raiz do problema, muitas vezes é resultado de feridas na alma provocadas pela iniquidade da rejeição e, por via de consequência, o conhecimento transforma-se em uma máscara perfeccionista usada pela pessoa para esconder, reparar ou compensar um profundo senso de inadequação, vergonha e inferioridade oriundo de relacionamentos partidos, que a pessoa sente por não ter sido nutrida saudavelmente relativamente aos desejos básicos que o coração do homem anseia para se tornar pleno e realizado em sua maturidade emocional.
Analise seu coração, até que ponto nós não olhamos só o que é alto segundo as coisas deste mundo? Até que ponto nós queremos ser cabeça e não cauda para ostentar a glória falida e morta deste mundo: dinheiro, riqueza, fama, posição social, etc.? Até que ponto nós desenvolvemos um profundo senso de orgulho, justiça própria e menosprezo do outro e usamos o nosso conhecimento, posição ou status como fonte de autoafirmação por causa das feridas da rejeição? Até que ponto nós não recebemos a paternidade de Leviatã em nossas vidas?     
Conhecimento lógico e factual por si só não é ruim; é bom quando se trata de coisas, mas não quando se cogita de pessoas, uma vez que, embora traga poder e influência, não garante o desenvolvimento do fruto do Espírito (Gálatas 5:22-23), isto é, amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio, em virtude de que tais qualidades são comportamentais, interpessoais e, portanto, ligadas a atividade do hemisfério cerebral direito, podendo apenas ser produzidas em relacionamentos marcados pelo amor, afeto, confiança, empatia e exercício adequado da direção de autoridade, os quais são os únicos tipos de relacionamento que podem suprir as sete necessidades fundamentais do homem dadas por Deus, que são básicos e universais, quais sejam o desejo de ser ouvido e ser entendido, de ser afirmado, de ser abençoado, de estar seguro, de ser tocado, de ser escolhido, e de ser incluído e é no preenchimento e na satisfação destas necessidades que o ser humano valida sua própria existência e pode desfrutar relacionamentos profundos e ricos com Deus e com as pessoas, já que tais desejos espelham referencialmente a essência do que deve ser o nosso relacionamento com Deus; é por esta razão que se diz que a informação intelectual muda muito pouco a conduta e pouco transforma o nosso coração, justamente por não tocar a parte necessária do nosso cérebro responsável pela mudança de comportamento, que é, repita-se, o hemisfério cerebral direito (neste sentido, consultar LAASER, Mark; LAASER, Debra. Los Siete Deseos de Todo Corazón. Miami: Editorial Vida, 2009, p. 13).
Em razão da conjuntura descrita acima, dignas de louvor são as palavras que a Bíblia nos traz em 1 Coríntios 8:1-3: “(...) A ciência incha, mas o amor edifica. Se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber. Mas, se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele” (ACF). Da inteligência desta porção das Escrituras, percebe-se que o conhecimento linear e lógico somente nos incha de informações e nos dá a convicção de que estamos com a razão a respeito das coisas e das pessoas, mas não melhora as nossas capacidades relacionais com o próximo, nem com Deus, e acabamos por descobrir, em dado momento de nossas vidas, que as nossas convicções teóricas e teológicas não combinam com a nossa experiência intuitiva e que as mesmas não passam de informação que parece não ajudar decisivamente a resolver nossos conflitos mentais internos, familiares, no trabalho, com amigos e em outros relacionamentos, embora saibamos que tais convicções sejam verdadeiras, o que, por certo, traz-nos muita culpa por tantas vezes termos falhado em nos comportar de acordo com os padrões de Deus. Sabemos a verdade, mas não conseguimos muitas vezes nos ajustar com ela e praticá-la, pelo que acabamos por sofrer de um ciclo interminável de culpa e vergonha pelos vários tropeços que cometemos.
O amor, pelo contrário, edifica porque é a essência do próprio Deus e toca a parte cerebral responsável pela mudança do comportamento, o hemisfério cerebral direito; amar é uma questão relacional, isto é, trata-se do nosso vínculo com o outro à imagem e semelhança do relacionamento que Deus quer que tenhamos com Ele, conforme se depreende da leitura de 1 Coríntios 13 e, por isso, é chamado de caminho sobremodo excelente: é estabelecer vínculos não para girar em torno de si por meio de satisfações egoístas, mas para se abrir para a possibilidade e realidade de incluir o outro; amar é também estabelecer vínculos relacionais e emocionais sadios com o outro, marcados pelo afeto e pela confiança, capazes de suprir e validar adequadamente os sete desejos fundamentais do coração citados acima, de sorte que o homem possa alcançar a maturidade emocional e espiritual e, assim, caminhar dentro do propósito que o Senhor designou.
Conhecimento lógico, linear, literal e linguístico é importante; veja-se, por exemplo, que muitas descobertas científicas têm melhorado a qualidade de vida do ser humano. Necessitamos adquirir este tipo de conhecimento para viver no mundo de forma adequada e eficiente para uma série de coisas, tais como aprender a ler, escrever, fazer contas, usar um computador, saber informações sobre doenças e sua cura, como se produz energia, como se pode cultivar a terra, enfim, tudo aquilo que habitualmente conhecemos como ciência e tecnologia.
 O problema ocorre quando nós valorizamos e premiamos mais o “conhecer coisas”, ou seja, quando valorizamos mais saber a respeito de fatos, saber a “verdade” de como as coisas funcionam e, por fim, de saber que estamos “certos”, que estamos com a razão ao nosso favor. Isto é tão patente nos dias de hoje que o padrão pelo qual julgamos a dignidade e o valor de uma ideia, de modo a considerá-la “válida” e “confiável”, é dado quase que tão somente pelo fato da pesquisa que a produziu ter sido conduzida por especialistas no assunto.
Tal realidade transplantou-se inclusive para as questões de fé, em que apenas se valoriza pessoas que têm conhecimento técnico e teológico para dizer o que é “a verdade” e, com este pretexto, a igreja católica retirou a Bíblia das pessoas comuns durante a Idade Média, trancafiando-as nas mãos do clero; depois, veio a Reforma Protestante e a Bíblia foi traduzida para as línguas nacionais do povo, contudo, a partir daí, houve um verdadeiro “monopólio da interpretação”, isto é, a Bíblia está nas mãos do povo em uma linguagem que se pode entender, mas só quem tem a autoridade de dizer a forma “certa” e “válida” de interpretá-la é quem tem conhecimento técnico e teológico para tanto, de modo que mais uma vez o monopólio da verdade está nas mãos do alto clero. Dentro desta ótica, a autoridade espiritual e a autoridade da verdade espiritual acabam sendo sinônimos de conhecimento técnico-teológico.  
Entretanto, outra é a realidade das Escrituras, em que a verdadeira autoridade espiritual é dada pelo Espírito Santo para homens que o Senhor separou para si e transformou o caráter para cumprir os seus propósitos eternos; foi assim com Abraão, Jacó, Moisés, Josué, Calebe, Samuel, Davi, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, os apóstolos, Estêvão e tantos outros.
A verdadeira autoridade espiritual não é sinônima de conhecimento lógico de teologia; certamente, o líder, o obreiro e todo crente deve ser bastante instruído na Palavra, até mesmo para não ensinar errado e não cair nas heresias e, para tanto, o Senhor levantou e separou alguns para o ministério de mestre. A verdadeira autoridade espiritual pressupõe também o conhecimento da Palavra, mas decorre, sobretudo, da intimidade com Deus e da sabedoria que é dada pelo Espírito Santo, a qual se baseia no temor do Senhor, no fruto do Espírito, nos qualificativos morais, na maturidade e experiência espirituais e de vida, no bom testemunho, conforme se infere, por exemplo, de 1 Timóteo 3:1-13.
A genuína autoridade espiritual é para os humildes e quebrantados de coração que se esvaziam e confessam que são miseráveis diante de Deus por causa das mazelas do pecado e olham para Cristo, dando graças a Ele, a tal ponto de reconhecer que a graça do Senhor lhes basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza, gloriando-se nas fraquezas, para que sobre eles repouse o poder de Cristo (Romanos 7:24, 1 Coríntios 12:9).
Como dizem as Escrituras, “se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber”, uma vez que o conhecimento lógico e linear, como afirmado acima, não preenche as necessidades relacionais e afetivas ligadas à atividade mental do hemisfério cerebral direito, já que tal tipo de conhecimento serve tão somente para nos dar a sensação de que temos a razão a respeito de algo. Todo o conhecimento produzido neste mundo tem gerado a dominância das formas de conhecer do hemisfério cerebral esquerdo e, assim, transformou-se em uma fortaleza espiritual que reforça a nossa condição pecaminosa de “deter a verdade em injustiça” (Romanos 1:18), isto é, repise-se, de uma maneira que nos assegure que estamos certos, de sorte que falhamos em perceber que esta necessidade de estar certo, de ser racionalmente ordenado e correto afasta-nos da experiência de ser conhecido, de amar e ser amado, prendendo-nos no casulo do egoísmo e do isolamento e, por via de consequência, desconectando-nos do outro e da verdadeira essência de conhecer o Senhor e de ser conhecido por Ele. Por isso, é que as Escrituras dizem que “se alguém ama a Deus, esse é conhecido dele”, porque estabeleceu vínculo de apego com o Senhor em um relacionamento, conhecendo-o de acordo com as formas de conhecimento ligadas a atividade do hemisfério cerebral direito e, por conseguinte, tendo os sete desejos fundamentais do coração descritos acima satisfeitos, validando e edificando, assim, a sua identidade em Deus em amor (cf. THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 11-18).
Dentro da ordem de ideias até aqui expostas, pode-se utilizar do neologismo “neuroespiritualidade” do “nós” para asseverar a realidade de que a experiência do homem com Deus e, por via de consequência, com o nosso semelhante, dá-se em todas as dimensões em que o homem é composto, isto é, corpo, alma e espírito, os quais não são isolados em compartimentos, mas conectados entre si, de modo que o que ocorre em uma dimensão repercute sobre a outra, tal como a demonstrada conexão existente entre as formas de conhecer dos hemisférios cerebrais e suas repercussões sobre as emoções, a maneira como nos relacionamos, os desejos fundamentais do coração do homem, bem como a forma como se vive a espiritualidade.
A nossa experiência de relacionamento com Deus se desenvolve na dimensão do espírito, porque aquele que se une com o Senhor forma um só espírito com Ele (1 Coríntios 6:17); na dimensão da alma, isto é, na mente e emoções e, tanto é assim, que as Escrituras dão ênfase na renovação da mente para que não nos mantenhamos presos aos padrões deste mundo corrompido (Romanos 12:2), no despojar-se do velho homem e do revestir-se do novo homem através da renovação do entendimento (Efésios 4:21-24), exortando-nos que levemos todo pensamento cativo à obediência de Cristo (2 Coríntios 10:5); bem como na dimensão corpo, já que, nos termos de 1 Coríntios 6:19, o “corpo” é santuário do Espírito Santo, notadamente o sistema nervoso e, especialmente, o cérebro, o qual é o suporte físico, o hardware da alma e do espírito.

[Continua na parte 3]

PABLO LUIZ RODRIGUES FERREIRA
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com



sexta-feira, 5 de julho de 2013

EIS QUE ESTOU À PORTA E BATO




Apocalipse 3:20 "Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo".


O texto de Apocalipse 3:20 é muito usado para evangelizar as pessoas, contudo, se você prestar atenção ao contexto, esse versículos são direcionados aos crentes que dizem que professam uma fé em cristo.

A grande tristeza desse versículo (e dos demais do cap. 3) é que ele é direcionados para "crentes" que não abriam o seu coração para Deus; é uma reprovação para crentes "mornos" que o Senhor sente vontade de vomitá-los; contra "crentes" que acham que acham que não precisam de nada e dizem: "'Estou rico e abastado e não preciso de coisa alguma', e nem sabem que são infelizes, sim, miseráveis, pobres, cegos e nus (Apocalipse 3:17).

Será que Jesus tem encontrado morada no seu coração, caro crente?

O que tem sido prioridade em sua vida? Com que mais você gasta seu tempo?

O que tem sido mais importante para você? Academias? Eventos Sociais? A sua "vidinha" na frente do computador? Seu corpo e vaidade? Suas convicções?

Onde está seu tesouro, ali estará seu coração.

E o seu tempo? Será que você não tem dito "não" para muita coisa que vai fazer você crescer: discipulado, leitura da Bíblia, oração, comunhão?

Aprenda a valorizar o Senhor e as coisas do Reino de Deus.

Apocalipse 3:18 Aconselho-te que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres, vestiduras brancas para te vestires, a fim de que não seja manifesta a vergonha da tua nudez, e colírio para ungires os olhos, a fim de que vejas.
Apocalipse 3:19 Eu repreendo e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso e arrepende-te.



Pablo Ferreira
pablolrferreira@hotmail.com
rugidodaverdade.blogspot.com

sábado, 29 de junho de 2013

O ASPECTO RELACIONAL DE SER CRIADO À IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS - A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS” - PARTE 1

Esta é uma nova série de textos em que se abordará o significado do aspecto relacional de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus e da importância da restauração dos relacionamentos como parte integrante do Evangelho, trazendo à colação as contribuições que as neurociências nos trazem em prol da restauração emocional e a renovação da mente, bem como a sua conexão com as práticas espirituais.

Se vocês ainda acham que o pecado é pouca coisas, leiam este texto.

Espero que vocês sejam profundamente edificados pelo Espírito Santo.

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A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: A RESTAURAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS COMO PARTE INTEGRANTE DA RENOVAÇÃO DA MENTE - PARTE 1





I) O aspecto relacional de ser criado à imagem e semelhança de Deus

Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea (Gênesis 2:18).

A Bíblia Sagrada é enfática ao dizer que fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26-27), de modo que, a cada dia, conhecendo a estrutura do ser humano à luz de ciências como a medicina, a biologia, a psicologia, as neurociências, pode-se ver a sua enorme complexidade biológica e relacional e, como o salmista Davi, dizer: “Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem” (Salmo 139:14 – Bíblia versão Almeida Revista e Atualizada - ARA).
A criação manifesta os atributos invisíveis de Deus, seu poder e sua glória (Romanos 1:20), pelo que, a medida em que nos deslumbramos com o conhecimento das coisas criadas, inclusive da estrutura do ser humano, devemos render glória ao Senhor e exaltá-lo pela profundidade de seu pensamento, por sua multiforme criatividade, pela grandeza de seu poder, pela manifestação da sua glória, pelo seu eterno amor por nos ter criado para que tivéssemos relacionamento com Ele.
Ser imagem e semelhança de Deus vai muito além de ter uma mente inteligente, uma personalidade, emoções, mas também significa que herdamos dEle a capacidade de se relacionar com o outro. Alguém só pode dar aquilo que tem para outra pessoa e, com Deus, isso não é diferente; só temos a capacidade de nos relacionar, porque esta é uma capacidade que o próprio Deus tem por essência, independentemente das coisas criadas.
Deus é completo, autossuficiente, imutável, não necessitando das coisas criadas para, de algum modo, aperfeiçoar-se. Deus é perfeito, completo e autossuficiente, inclusive em seu aspecto relacional: Deus é um e é três em um; Deus é Pai, Filho e Espírito Santo; o Deus trino, a Santíssima Trindade, uma estrutura de personalidade existencial que mente humana alguma pode sondar e perscrutar.
Dentro da Trindade há relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A título de exemplo, o Evangelho de João é rico em demonstrar um amor peculiar entre Deus Pai e Deus Filho, tal como em João 3:35, 5:20, 14:31, mostrando que esse vínculo de filiação de Jesus não começou quando nosso salvador veio a Terra cumprir o plano da redenção, mas desde a eternidade (João 17:5), mostrando que Jesus tem uma experiência compartilhada de relacionamento desde antes da fundação do mundo, na eternidade passada; desde a eternidade, Deus Filho tem relacionamento de amor, obediência e intimidade com Deus Pai, intimidade esta que é tão profunda a ponto de Deus Pai, por amor ao seu filho unigênito, mostrar-lhe tudo o que faz, sendo que Jesus faz tudo o que o Pai faz por ser sua exata expressão (Hebreus 1:3), fazendo apenas o que vê seu Pai fazer (João 5:19-20) e chegando a dizer: “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (João 4:34 - ARA) (cf. CARSON, Donald A. A Difícil Doutrina do Amor de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p. 17, 36-37, 41). O Espírito Santo, sendo Deus, também goza da mesma intimidade e amor que Jesus dentro da Trindade, ao ponto das Escrituras afirmarem de forma categórica que o Espírito conhece as profundezas de Deus (1 Coríntios 2:10).           
            Existe em Deus, desde antes da fundação do mundo, a esfera do relacionamento, o que permitiu a Ele criar o homem de tal forma que ele se organizasse em várias instâncias de pluralidade, tais como em forma de casal em uma união em que homem e mulher formam uma só carne, assim como Deus é três em um; de família, de filiação e adoção, de estabelecimento de gerações; de amizade, afeto e companheirismo; na forma de instituições, governo, Estado, tribos, sociedade, bem como na forma de reunião dos santos no corpo de Cristo como a igreja do Senhor.
            Assim está escrito em Gênesis 1:26a: “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (ARA). O homem foi criado pela Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo conjuntamente o fizeram, conforme se depreende do citado versículo, em que as Escrituras se utilizam do verbo fazer no plural, o que denota uma atividade conjunta, tendo Deus, por conseguinte, transferido ao homem esta capacidade relacional. 

II) As perfeições originais do Éden e os efeitos da “Queda”: a questão do pecado original e o do mal no mundo

A criação de Deus foi dotada do estado de perfeição. Tudo Deus criou perfeito, como perfeito Ele é. O universo foi criado perfeito, regido por leis naturais perfeitas (perfeição universal); Deus criou o mundo com ecossistemas de animais, plantas, minerais, com um equilíbrio perfeito entre eles (perfeição ecológica). Estabeleceu o homem e a mulher perfeitos, feitos à sua perfeita imagem; Deus criou todo o universo e o mundo e, de tudo que fez, disse o Senhor que era bom (Gênesis 1:11, 18, 21 e 24), entretanto, depois de criar homem à sua imagem e semelhança, “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31 - ARA).
Deus criou o homem com perfeição psicofísica, isto é, com orientação sexual e identidade de gênero perfeitos – “homem e mulher os criou” (Gênesis 1:27), tendo lhes dado personalidades perfeitas, modeladas de acordo com a sua própria, mentes com uma capacidade incrível de aprender, imaginar e dotada de criatividade para transformar a natureza, bem como emoções com um forte senso de identidade e autoestima segura, a fim de que eles pudessem ser fecundos e sujeitar a natureza, conforme o mandamento do Senhor (perfeição mental, emocional e organizacional).
Outra marca de perfeição que o Senhor infundiu no homem foi a perfeição relacional. Homem e mulher tinham um companheirismo perfeito entre si à imagem e semelhança do que ocorre com o aspecto relacional de Deus dentro da Trindade, existindo entre eles uma plena abertura para que pudessem se conhecer e ser conhecidos um pelo outro, sem que houvesse qualquer mecanismo de defesa, culpa, vergonha, inibição ou qualquer perda de afetividade ou vinculação que pudesse separá-los. Homem e mulher eram perfeitamente unidos emocional, espiritual e sexualmente, de modo que eram uma só carne e estavam nus e não se envergonhavam, não existindo qualquer tipo de barreira entre eles, quer física, mental, espiritual ou emocional. No que tange ao relacionamento com Deus, tinham perfeição espiritual, também sem qualquer barreira, desfrutando da amizade e do amor paternal de Deus, falando o Senhor audivelmente com eles no jardim do Éden (cf. SEAMANDS, David. O Poder Curador da Graça. São Paulo: Vida, 2006, p. 49-50).
A voz que o homem ouve determina a sua identidade e destino; isto é assim hoje e também foi assim no Éden. O homem e mulher deram ouvidos a voz do Maligno e o pecado entrou no mundo, fazendo separação de Deus e corrompendo e degenerando todas as perfeições que o Senhor tinha concedido ao ser humano.   
Por conta disso, o mundo jaz no Maligno e em sua atuação infernal (1 João 5:19), de sorte que toda a criação, com o pecado original, ficou sujeita à vaidade e ao cativeiro da corrupção (Romanos 8:20-21), tendo o homem ficado cego espiritualmente e incapaz de discernir as coisas espirituais e sob o controle do “príncipe da potestade do ar” (Efésios 2:2) e, por isso, as Escrituras dizem que “a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Efésios 6:12). Toda a Terra e o homem ficaram contaminados pela iniquidade, de modo que esta passa a ser a grande estrutura de produção e reprodução dos pensamentos e dos comportamentos humanos.
Perdemos a perfeição física, pelo que somos sujeitos a doenças, ferimentos, deformidades, degenerações e, por fim, a morte física; perdemos a perfeição do relacionamento que tínhamos com Deus; perdemos a nossa perfeição mental, emocional e relacional, de sorte que todos os seres humanos na face da Terra têm relacionamentos partidos que necessitam ser restaurados.
O pecado original de Adão e Eva é comumente chamado de “queda”. De onde eles caíram? Relativamente à perfeição espiritual, eles caíram de um relacionamento íntimo com Deus; caíram de uma vida centrada no relacionamento com Deus para uma vida centrada no egoísmo, na satisfação de seus próprios desejos; a humanidade caiu em desgraça em relação a Deus (neste sentido, BAKER, Mark W. Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante, 2005, p. 51).
Trago à colação o que o Catecismo Maior de Westminster, um dos mais importantes documentos da Reforma Protestante, comenta a respeito da “queda”:

Em que consiste o pecado desse estado em que o homem caiu?
O pecado desse estado em que o homem caiu consiste na culpa do primeiro pecado de Adão, na falta de retidão na qual este foi criado e na corrupção da sua natureza pela qual se tornou inteiramente indisposto, incapaz e oposto a todo o bem espiritual e inclinado a todo o mal, e isso continuamente: o que geralmente se chama pecado original, do qual precedem todas as transgressões atuais (Rm 5:12, 19 e 5:6, e 3:10-12; Ef. 2:3; Rm 8:7-8; Gn 6:1; Tg 1:14-15; Mt. 15:19) (pergunta 25 do Catecismo Maior).

Qual é a miséria que a queda trouxe sobre o gênero humano?
A queda trouxe sobre o gênero humano a perda da comunhão com Deus, o seu desagrado e maldição; de modo que somos por natureza filhos da ira, escravos de Satanás e justamente expostos a todas as punições, neste mundo e no vindouro (Gn 3:8, 24; Ef 2:2-3; II Tm 2:26; Lc 11:21-22; Hb 2:14; Lm 3:39; Rm 6:23; Mt 25:41,46) (pergunta 27 do Catecismo Maior).

A Confissão Belga de 1561 também nos traz importantes ensinamentos ao assunto em comento:

ARTIGO 15
O PECADO ORIGINAL
Cremos que, pela desobediência de Adão, o pecado original se estendeu por todo o gênero humano (l). Este pecado é uma depravação de toda a natureza humana (2) e um mal hereditário, com que até as crianças no ventre de suas mães estão contaminadas (3). É a raiz que produz no homem todo tipo de pecado. Por isso, é tão repugnante e abominável diante de Deus que é suficiente para condenar o gênero humano (4).
Nem pelo batismo o pecado original é totalmente anulado ou destruído, porque o pecado sempre jorra desta depravação como água corrente de uma fonte contaminada (5). O pecado original, porém, não é atribuído aos filhos de Deus para condená-los, mas é perdoado pela graça e misericórdia de Deus (6). Isto não quer dizer que eles podem continuar descuidadamente numa vida pecaminosa. Pelo contrário, os fiéis, conscientes desta depravação, devem aspirar a livrar-se do corpo dominado pela morte (Rm 7:24).
Neste ponto rejeitamos o erro do pelagianismo, que diz que o pecado é somente uma questão de imitação [(1) Rm 5:12-14,19. (2) Rm 3:10. (3) Jó 14:4; Sl 51:5; Jo 3:6. (4) Ef 2:3. (5) Rm 7:18,19. (6) Ef 2:4,5].

Devido à “queda” no Éden, a natureza humana, com a perda da perfeição espiritual, degenerou-se, sendo tomada pela culpa e pela corrupção do pecado e, consequentemente, pela perda da perfeição relacional e pela perda de todas as demais perfeições originais. A corrupção do pecado introduziu no ser humano a raiz da rebelião contra Deus, do orgulho e do egoísmo, da ira pecaminosa, da violência e da vingança, da disposição mental inclinada para fazer o mal, da cegueira espiritual, bem como dos demais sentimentos negativos e condutas autodestrutivas (veja-se, por exemplo, Isaías 59, Romanos 1 e 2). Além disso, quanto à dimensão da culpa oriunda do pecado, homem e mulher herdaram a vergonha, os sentimentos de inferioridade e de inadequação, a deslealdade, o medo, a desconfiança, a fuga e a transferência da responsabilidade pelos erros e falhas, a inveja, a cobiça, a competição, o ódio, o rancor, o ressentimento, a mentira, entre outras barreiras que prejudicam os relacionamentos, o que nós transferimos e projetamos inclusive no nosso relacionamento com Deus.
Esta é a realidade que se evidencia do relato da “queda” contido em Gênesis 3. O homem e a mulher acreditaram nas mentiras da serpente e comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, desobedecendo a proibição que Deus tinha estabelecido e, assim, seus olhos foram abertos e conheceram que estavam nus, tendo passado a sentir a vergonha e os sentimentos de inferioridade e de inadequação de tal condição, pelo que se cobriram com folhas de figueira (v. 7) e tiveram medo e se esconderam quando o Senhor veio visitá-los no jardim na viração do dia (v. 10).
O Senhor cobrou a responsabilidade primeiramente de Adão, uma vez que o homem é o líder, cabeça do casal, tendo ele respondido: “A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (v. 12). Após cobrar a responsabilidade de Adão, o Senhor perguntou a Eva o que ela tinha feito, tendo ela respondido: “A serpente me enganou, e eu comi” (v. 13). A mulher, semelhantemente a Adão, transferiu sua culpa a outrem. Aqui começou a transferência de culpa e de responsabilidade: o homem culpou a mulher por sua falha e, mais ainda, com alta probabilidade, culpou Deus por ter dado aquela mulher para ele como esposa, isto é, ele insinuou que, se Deus não tivesse dado aquela mulher, ele não teria caído em desobediência, já que ele falou “a mulher que me deste por esposa” (grifo nosso).
Verifica-se que o homem em nada mudou desde o Éden para cá no que tange a sua essência corrompida; este mecanismo de defesa de colocar a culpa em outras pessoas pelas falhas pessoais ao invés de enfrentar o confronto e o desconforto das consequências de ter assumir a responsabilidade e se sujeitar às penas da desobediência e da transgressão tem sido uma distorção de caráter marcante na raça humana. Ocorrem as guerras, quem é o culpado? Pessoas passam fome, outras morrem no trânsito pela imprudência de motoristas bêbados, crianças e jovens são vítimas de abandono e de violência física, sexual e/ou verbal, calamidades climáticas acontecem destruindo lares de muitos, casais se divorciam e causam profundas mágoas entre si e desestruturam emocionalmente sua prole, quem é o culpado por tudo isso? “Por que Deus não impediu?”, dizem os homens ao invés de assumir a responsabilidade pela maldade da raça humana. A vontade de Deus é boa, perfeita e agradável (Romanos 12:2) e, se estamos cercados pela morte, pelas tragédias, pelas violências, assim o estamos em decorrência do livre arbítrio do homem e não por culpa de Deus. A este respeito, veja-se o que diz a Segunda Confissão Helvética, outro importante documento da Reforma Protestante, elaborado em 1562, em sua parte 8:

Deus não é o autor do pecado; e até onde se pode dizer que ele endurece. Está claramente escrito: “Tu não és Deus que se agrade com a iniquidade. Aborreces a todos que praticam iniquidade. Tu destróis os que proferem mentira” (Salmo 5.4 ss). E de novo: “Quando ele [o diabo] profere a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (João 8.44). Além disso, há em nós suficiente pecado e corrupção, não sendo necessário que Deus em nós infunda uma nova e ainda maior depravação. Quando, portanto, se diz nas Escrituras que Deus endurece, cega e entrega a uma disposição réproba de mente, deve-se entender que Deus o faz mediante um justo juízo, como um Juiz Vingador e justo. Finalmente, sempre que na Escritura se diz ou parece que Deus faz algo mal, não se diz, por isso, que o homem não pratique o mal, mas que Deus o permite e não o impede, segundo o seu justo juízo, que poderia impedi-lo se o quisesse, ou porque ele transforma o mal do homem em bem, como fez no caso do pecado dos irmãos de José, ou porque ele próprio controla os pecados, para que não irrompam e grassem mais largamente do que convém. Santo Agostinho escreve em seu Enchiridion: “De modo admirável e inexplicável não se faz além da sua vontade aquilo que contra a sua vontade faz. Pois não se faria, se ele não o permitisse. E, no entanto, ele não o permite contra a vontade, mas voluntariamente. O bom não permitiria que se fizesse o mal, a não ser que, sendo onipotente, pudesse do mal fazer o bem”. É isso o que ele diz.

Deus não aceitou as desculpas do homem e da mulher, de maneira que tiveram de responder diante de Deus por seus atos e colher as consequências e o castigo em virtude da ofensa praticada (vv. 16-24) e, de igual modo, cada um de nós comparecerá diante do Trono da Justiça do Senhor para sermos julgados; a maldade do homem não ficará de modo algum impune; não há nada que nos fará escapar da ira vindoura de Deus, a não ser que sejamos lavados e remidos pelo sangue do Cordeiro, do Senhor Jesus Cristo, sendo que a promessa do nosso salvador já se encontra aqui no episódio de Gênesis 3, quando Deus decreta que “o descendente” da mulher feriria a cabeça da serpente:

Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar (vv. 14-15 - ARA). 

Note-se também que o Senhor não deixou a conduta do diabo impune; desde aquele momento, Deus decretou a derrota de satanás pelo Messias vindouro. Em Gênesis 3:14-15, encontra-se, portanto, o “protoevangelho”, o Evangelho em embrião. E aconteceu da forma como o Senhor determinou, o diabo tão somente feriu o calcanhar do Senhor Jesus com suas tentações e perseguições, porque a morte do Messias foi determinação de Deus como propiciação, como pagamento pelo pecado do homem e não obra do diabo; foi Deus quem descarregou sua ira em razão do pecado do homem e determinou a morte de Jesus como substituta da nossa morte, tendo este plano da salvação sido elaborado pela Trindade desde antes da fundação do mundo, conforme se depreende, por exemplo, de Apocalipse 13:8, em que Jesus é referido como o “Cordeiro morto desde a fundação do mundo”, bem como de Efésios 1:4, em que as Escrituras são claras em afirmar que Deus nos escolheu nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele (ver também 2 Tessalonicenses 2:13, Romanos 8:29-30).

III) A “queda” e a atuação da serpente: a operação da iniquidade da rejeição como modelo de conquista do inferno, bem como a necessidade de restauração das capacidades relacionais do homem como uma das essências do Evangelho do Reino de Deus

Uma questão que deve ser ressaltada é a grave consequência da maldição imposta sobre a serpente em Gênesis 3:14, conforme se transcreve novamente: “Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida” (ARA). Ela foi condenada a rastejar e a se alimentar de pó. E nós somos feitos de quê? Do pó da terra, conforme se infere de Gênesis 2:17: “Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (ARA). Loucura? Heresia? Não, a mais pura verdade. O diabo, por longas eras, tem se alimentado dos nossos pecados, da nossa natureza corrupta e da nossa maldade para provocar a destruição de tudo que tem fôlego de vida e reflete a criação de Deus, inclusive a destruição da nossa autoimagem criada para refletir a imagem e semelhança de Deus, a qual fica partida e estilhaçada pela operação do inimigo no processo de construção dos padrões de comportamento da iniquidade. Consultando o Dicionário Hebraico do Antigo Testamento de J. Strong, verifica-se que a palavra hebraica para pó é āphār, que pode ser traduzida como poeira pulverizada ou cinzenta, como barro, terra, lama, sendo a mesma palavra usada em Gênesis 2:17 para designar o material usado para formar o primeiro homem (cf. Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 1848, verbete 6083 do hebraico). Aliás, o diabo se alimentou tanto e ainda se alimenta de nós, que engordou e cresceu, tendo passado por uma “metamorfose” que o transformou de uma serpente para um grande e horrendo dragão, o que se encontra em Apocalipse 12:3-9:

Viu-se, também, outro sinal no céu, e eis um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas. A sua cauda arrastava a terça parte das estrelas do céu, (...) E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos (ARA) (grifo nosso).

O poder de destruição do inimigo neste mundo é tão forte que o texto acima transcrito fala que a cauda do dragão arrastava a terça parte das estrelas do céu.
Você ainda acha que o pecado é pouca coisa?
A corrupção do pecado é um mal hereditário que alcança toda a raça humana e é transmitida de geração em geração. Através desta raiz da maldade, qual seja a iniquidade, o inimigo institui a perversão e a destruição que vêm do reino das trevas, modelando as mentes dos homens com todo o tipo de padrão de pensamento desviado da vontade de Deus (fortalezas espirituais ou fortalezas de mente), bem como embrutecendo os corações em patamares ainda mais elevados, não sendo à toa quando as Escrituras dizem que, por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos (Mateus 24:12), isto é, quanto maior o nível de aprofundamento do homem nos padrões distorcidos da iniquidade, menor é a medida de amor que ele tem.
Por meio da operação da iniquidade no ser do homem, o inimigo tem construído seu poderio, de sorte que, conforme dito acima, o mundo jaz no maligno e fica sujeito ao cativeiro da corrupção.

7 Com efeito, o mistério da iniquidade já opera e aguarda somente que seja afastado aquele que agora o detém; 8 então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda. 9 Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, 10 e com todo engano de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor da verdade para serem salvos. 11 É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, 12 a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça (2 Tessalonicenses 2 – ARA).

O ser humano ficou com um estado emocional corrompido e uma mente reprovável, isto é, com uma estrutural espiritual, mental e emocional adequada para receber o padrão de satanás e do inferno através da operação da iniquidade por meio de manifestações de poder, sinais e prodígios da mentira, de enganos de injustiça, inclusive os enganos relativos à nossa identidade, operações de erro, entre outros meios, a fim de que as pessoas não acolham o amor da verdade para serem salvas.
Qual é o padrão de conquista do diabo? A negação do amor, isto é, a rejeição, em oposição à essência de Deus, que é amor (cf. GUILLEN, Fernando. Se7e Montes. Belo Horizonte: Editora Se7e Montes, 2009, p. 119). A rejeição é uma ferida na alma (mente e emoções), uma raiz de iniquidade, que vem como consequência da negação do amor, uma vez que atinge nossas necessidades fundamentais de aceitação e aprovação, as quais devem ser preenchidas para que o ser humano goze de estabilidade e inteligência emocionais, desenvolva-se e alcance todo o seu potencial. A rejeição causa feridas no “eu” da pessoa, as quais transcendem a esfera da alma, alcançando a mente e o coração, fazendo com que a pessoa se sinta indesejada, não querida, não aceita, não aprovada pelas pessoas e, assim, causando uma série de anormalidades emocionais e mentais na personalidade em decorrência da distorção da autoimagem e autoestima negativa que a pessoa ferida em seus relacionamentos passa a nutrir, tais como ódio, rancor, ressentimento, ira, orgulho ferido, vitimização de si (autocomiseração), desconfiança, insegurança, inveja, competição, complexos de inferioridade, depressão, perfeccionismo, dependência emocional, doenças psicossomáticas.
Todos nós passamos, em algum momento de nossas vidas, por experiências de negação do amor em maior ou menor escala, recebendo feridas de rejeição, sendo as mais profundas aquelas que acontecem de maneira intensa e traumática (ex: abuso sexual, psicológico, físico e/ou religioso) no período da infância e adolescência (e até mesmo na vida intrauterina, já que tudo aquilo que a mãe sente o feto também sente, sendo internalizada memória dele todas as experiências de rejeição que a mãe tenha experimentado em relação a ela ou ao feto – neste sentido, consultar SEAMANDS, David. 2 ed. A Cura das Memórias. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 5-17), principalmente quando ocorrem no relacionamento com os pais e familiares e/ou figuras de autoridade, uma vez que é neste tipo de relacionamento que são formatadas na mente e no coração do homem os referenciais de amor, aceitação, aprovação, identidade, segurança, autoridade; se tais relacionamentos são prejudicados pela rejeição, a alma humana fica ferida, apresentando as distorções emocionais e mentais citadas acima, as quais serão transferidas e projetadas em todos os demais relacionamentos, prejudicando a capacidade de se relacionar de forma sadia, inclusive em relação a Deus, a quem não conseguimos ver com uma fonte de amor incondicional; também acabamos por ferir as pessoas com as mesmas armas com as quais nos feriram (neste sentido, GUILLEN, Fernando. O Espírito de Rejeição. Belo Horizonte: Ministério Se7e Montes, s/d. 2 DVD).
O antídoto para as feridas da rejeição é o perdão. O perdão é a porta de entrada do Reino de Deus; só temos a possibilidade de ter relacionamento com Deus, porque Ele primeiramente nos perdoa por intermédio do sacrifício de Cristo na cruz e, de semelhante modo, devemos perdoar as ofensas cometidas contra nós. Jesus é a ponte criada para que possamos atravessar o abismo criado entre nós e Deus em decorrência do pecado. Jesus é a nossa reconciliação com Deus. Falar do Reino de Deus, portanto, é falar de relacionamento e de restauração de relacionamento:

9 Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. 10 Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida; 11 e não apenas isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de quem recebemos, agora, a reconciliação (Romanos 5 - ARA).

            Através do sacrifício de Jesus, não somente se abriu a porta para a reconciliação com Deus, mas também recebemos do Senhor a grande comissão para sermos embaixadores de Cristo e pregar, curar e restaurar através da Palavra da reconciliação (2 Coríntios 5:18-20).

A essência do Evangelho é a restauração de relacionamentos. Todos nós temos, em maior ou menor proporção, aspectos relacionais que necessitam de cura e de restauração, porque não há ser humano que não tenha experimentado perdas, frustrações, decepções e/ou traumas decorrentes de seus relacionamentos e, na medida em que estes aspectos relacionais vão sendo restaurados, sobretudo com a liberação do perdão, a atribuição de um novo significado em relação às ofensas praticadas e o desenvolvimento de novas atitudes de retidão de comportamento, de glória em glória, a nossa mente vai sendo transformada dos antigos padrões da iniquidade da rejeição e a nossa personalidade vai sendo restaurada e conformada à imagem e semelhança do nosso Senhor Jesus (2 Coríntios 3:16-18).

[Continua na parte 2]


PABLO LUIZ R. FERREIRA
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com