sábado, 4 de fevereiro de 2012

TÍTULO X ESSÊNCIA: UMA REFLEXÃO SOBRE OS PRINCÍPIOS DO SERVIÇO CRISTÃO À LUZ DO CARÁTER DE JESUS E SUA OBRA, BEM COMO DA ESTRUTURA ECLESIÁSTICA DO NOVO TESTAMENTO E UMA PROPOSTA BÍBLICA E ÉTICA DE CRÍTICA AOS SISTEMAS RELIGIOSOS E DE AUTOCRÍTICA



I) Introdução.
         Nunca me canso de falar que hoje vivemos tempos de muita confusão doutrinária quando se trata do Evangelho de Jesus. Verifica-se que uma das áreas que está em crise é a própria liderança e o seu exercício e, consequentemente, a questão do serviço cristão. Na atual conjuntura, um fenômeno vem tomando proporções cada vez maiores a cada dia, qual seja a busca de “títulos” religiosos de liderança. Não se pode colocar todas as pessoas no mesmo grupo, já que a motivação da aquisição de tais “títulos” é variada, indo desde um coração sincero que quer agradar a Deus a outros que buscam reconhecimento e status, outros que almejam conquista financeira, dentre outros.

II) Distinções e delimitação do objeto da discussão: alguns comentários acerca da estrutura eclesiástica do Novo Testamento.
Se nós observarmos o que o Novo Testamento ensina a respeito da estrutura de liderança de uma congregação, perceberemos que as Escrituras são categóricas em expor que esta é formada por um corpo de presbíteros ou bispos e por um corpo de diáconos, conforme se pode depreender 2 Timóteo 3 e Tito 1, apenas a título de exemplo.
         Deus também separou uns para profetas, outros para apóstolos, mestres, evangelistas, bem como outros para pastores. Estes são os ministérios que o Senhor estruturou para promover o amadurecimento do Corpo de Cristo, a igreja. São ministérios e não cargos eclesiásticos. Não são cargos de liderança, mas uma vocação que vem de Deus para o desempenho de um serviço específico com a finalidade de edificar os irmãos na fé.
         Não sei se você já percebeu, mas não há menção em lugar algum nas Escrituras de que “pastor” é um cargo de liderança. A expressão “pastor” para designar uma determinada autoridade da qual provém as decisões superiores e últimas para uma determinada congregação ou como membro de um conselho foi consagrada pela própria tradição histórica.
         Para preservar a pureza das Escrituras, algumas congregações se estruturaram através de um conselho de presbíteros ou bispos, sendo o “pastor”, um dos membros do conselho, o qual tem o mesmo peso que os outros membros deste, que são oriundos dentre os membros espiritualmente maduros da própria congregação, sendo as decisões da igreja tomadas por maioria, privilegiando-se, assim, uma estrutura eclesiástica democrática e representativa, bem como submissa ao Espírito Santo, reservando-se ao “pastor” a atribuição da pregação da Palavra como ofício espiritual (1 Tm 5:17). Este é o quadro eclesiástico montado pela Bíblia, o qual também é formado por um corpo diaconal, que não toma parte nas decisões da congregação, mas exerce outros trabalhos fundamentais para a vida da igreja. Tendo em vista esta estruturação, a ideia de liderança de um determinado “pastor” em uma congregação exercida isoladamente, dando todas as ordens, estando sem a sujeição de um conselho de homens maduros espiritualmente não se coaduna com as prescrições bíblicas.
         Historicamente, durante a Idade Média, a igreja católica se estruturou em um sistema complexo de hierarquia, que se distanciou da pureza das Escrituras, criando uma série de cargos eclesiásticos, tais como padres, bispos, arcebispos, o Papa, dentre outros, os quais se estabeleceram para sustentar todo um esquema de dominação das massas. Criou-se também todo um imaginário e simbolismo em torno destes cargos, tal como vestimentas pomposas e estilizadas, bem como o uso de cerimônias e rituais para conferir a eles um “manto” místico e intocável, transformando-os em “verdadeiros” representantes de Deus, inquestionáveis e intocáveis, além de “amarrar” a aprovação de Deus e a salvação das pessoas nas mãos de tais “líderes”, por exemplo, através da prática da confissão perante eles e do pagamento de indulgências. O resultado disso tudo, além da morte do genuíno evangelho da verdade, foi a formação de uma aristocracia religiosa, rica e poderosa, que moldava a mente das pessoas, escondendo-lhes as próprias Escrituras, bem como, não só detendo o poder espiritual, mas também o poder político.
         Com a reforma protestante, esta hierarquia estrutural complexa dos cargos eclesiásticos foi abandonada em prol de estruturações simples, bem como houve a abolição dos símbolos e rituais religiosos que sustentavam aquela atmosfera “mística”, passando os templos, por exemplo, a não ostentar qualquer figura, gravura ou mesmo artefatos e símbolos, bem como os líderes a não usarem roupas que os distinguissem dos demais membros da congregação.
         Nos tempos atuais, contudo, muitas congregações estão voltando para aquela época do feudalismo, assumindo novas formas de criar um manto “místico” em torno de sua liderança com a finalidade de embasar um sistema de dominação. Vemos hoje pessoas denominadas de “apóstolos”, “profetas”, os quais estariam em uma hierarquia acima dos denominados “pastores” e estes, por sua vez, estariam acima de outras lideranças “menores”, tais como líderes de ministérios, obreiros, discipuladores, entre outros títulos, criando-se um verdadeiro sistema complexo de liderança “em cascata”. Nesse movimento de atribuição de títulos, já foi até designado o título de “patriarca”. Desde já esclareço que não quero por ninguém que usa tais títulos em descrédito; conheço pessoas que tem o título de “apóstolo”, de “profeta”, de líder de ministério que fazem o seu trabalho com honestidade, fidelidade, de todo o coração e amor a Deus. O que eu ponho em questão é o uso de tais títulos como uma forma de construir todo um sistema de “mistificação” da liderança com o fim de manipular as pessoas e distorcer o Evangelho da Verdade. Conforme já assentado, tais títulos, à luz do Novo Testamento, inexistem como cargo de liderança, mas tão somente como forma de exercício de um determinado tipo de ministério, de serviço cristão.
         Acrescente-se que esse novo “feudalismo religioso” também construiu o seu imaginário, os seus simbolismos, tais como o uso de símbolos do Antigo Testamento, dentre os quais a figura do profeta, que muitos se arvoram em identificar com o líder religioso, fazendo-o inquestionável e intocável como a própria voz de Deus, bem como a expressão “o Ungido do Senhor”, o qual não deve ser tocado.
         Nesses sistemas, o líder acaba sendo a “resposta” de Deus para a vida da pessoa, transformando-se em um confessor e “determinador” das atitudes que a pessoa deve tomar. Algo que é bom, dividir as nossas cargas e adversidades com outros para receber cura, como prescreve Tiago 5:16, acaba sendo desvirtuado para se transformar em manipulação, na qual é posto todo um discurso de honra ao líder, o qual tem de ser obedecido e honrado incondicionalmente, sob pena de maldição de Deus (cf. CÉSAR, Marília de Camargo. Feridos em Nome de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2009, p.20, 33, 47).
Há também o retorno indevido de rituais do Antigo Testamento, tais como as festas do povo judeu, os chamados “atos proféticos”, bem como mecanismos de honra financeira na qual o fiel entrega seus bens em favor da liderança para receber uma “hemorragia de bênçãos” e, caso não honre financeiramente, está debaixo de maldição. Já tomei conhecimento de que um determinado líder pregou sobre o dízimo de 110%. A Bíblia, de fato, convoca-nos a honrar a Deus com os nossos bens, seja com dízimos, seja com ofertas, até mesmo para sustentar a obra, mas nunca de forma abusiva; não é a toa que dízimo é apenas a décima parte dos nossos ganhos, em que o Senhor nos prova na nossa obediência e fidelidade para com Ele; quanto às ofertas, estas não têm valor estipulado, até porque nestas o Senhor prova o desprendimento do nosso coração, ou seja, a nossa liberalidade. O certo é que o Senhor nunca pediu nossos bens em prejuízo de nossas necessidades fundamentais e do sustento de nossa família, bem como nenhuma quantia que dermos em favor da igreja ou de seus líderes é moeda de troca diante do Trono de Deus, ou seja, não podemos esperar comprar com o nosso dinheiro as bênçãos de Deus em nosso proveito.
         Durante a idade média, era disseminada a heresia de que as Escrituras só poderiam ser interpretadas pelos membros da casta religiosa católica e de que a Bíblia não poderia ser inteligível pelas pessoas comuns. Com a Reforma Protestante, a Bíblia foi traduzida para a língua materna das pessoas, disseminando-se que a mesma poderia ser entendida por todos como a Palavra de Deus. Hoje, sem dúvida a Bíblia está nas mãos de praticamente todos que se dizem “evangélicos”, contudo, a mesma é pregada, em grande parte, de maneira superficial e sob uma ótica funcionalista, isto é, de modo a possibilitar que uma determinada estrutura religiosa funcione e se reproduza; o objetivo não é a disseminação da pureza do Evangelho, mas atingir as metas do sistema religioso, seja a extorsão financeira dos fiéis, seja o crescimento da igreja, entre outras múltiplas finalidades que dependerão das motivações particulares de cada grupo que se trate. A regra atual em muitas congregações é: “tome a Bíblia, leia-a, mas eu lhe dou a única forma possível da mesma ser interpretada; se você interpretar de maneira diferente da forma que eu lhe ensino, você será um rebelde e feiticeiro e estará sob a maldição de Deus”.    
Diante de tal quadro, a primeira coisa que temos de fazer é orar pelos nossos líderes para que não caiam no engano ou, se nele estiverem, para que Deus possa abrir-lhe os olhos para dele saírem.
         Nunca podemos receber nenhuma ideia ou aceitar um determinado sistema religioso de forma incondicional e acrítica. As Escrituras Sagradas são o nosso parâmetro e, à luz das mesmas, sob a orientação e discernimento dados pelo Espírito Santo, é que devemos ponderar acerca de todas as questões. A Bíblia nos exorta a não desprezarmos as profecias, mas somente reter o que é bom, abstendo-nos de toda a forma de mal (1 Ts 5:19-21).
         Por fim e não menos importante, podemos estar ou não, em uma congregação com uma estrutura complexa de liderança, ou mesmo em uma congregação que “abusa” de títulos inadequados à luz da estrutura do Novo Testamento, quaisquer que sejam as motivações dos líderes, quer sejam de boa-fé, quer sejam más, entretanto, devemos ser sóbrios e vigilantes no sentido de que Deus trabalha com um princípio moral inegociável: o princípio da responsabilidade pessoal. Cada um vai prestar contas de seus atos diante de Deus. No que refere a nós, temos de possuir a consciência de que Deus nos pedirá contas de nossas atitudes, portanto, não podemos transferir para ninguém a responsabilidade que é nossa de conduzir a nossa vida à luz dos princípios da Bíblia, sendo guiados pelo Espírito Santo para tanto. No dia do juízo, não poderemos nos escusar de qualquer atitude errada dizendo: “ah, mas foi meu líder que disse isso”. Temos a responsabilidade de conhecer as Escrituras e de nos determinar de acordo com elas; os líderes que o Senhor coloca em nossas vidas estão apenas para nos dar uma ajuda temporária em determinadas situações, mas não como substitutos da nossa própria vontade, nem tampouco substitutos do Espírito Santo.

III) Princípios do serviço cristão à luz do caráter de Cristo e sua obra.    
         A seguir, far-se-á uma exposição de alguns princípios marcantes em relação ao ministério de Jesus, contidos no capítulo 1 do Evangelho de Marcos, os quais devem caracterizar a própria essência do nosso serviço como crentes a favor do corpo de Cristo, cabendo a nós a responsabilidade de nos adequarmos a eles.
III.I) Jesus não sustentava seu ministério com títulos, nem milagres, nem sinais, mas com a pregação do Evangelho vivo da salvação.
Lendo os Evangelhos, algo que é digno de nota é a postura que Jesus tomava diante dos títulos em relação ao seu ministério público. Jesus não queria ser reconhecido diante dos homens por seu título de Filho de Deus, nem por aquele que realizava milagres e curas, mas queria disseminar o Evangelho da Salvação, levando os homens ao arrependimento. Ele não queria sustentar seu ministério com um título e até calava a boca dos demônios para que não dissessem quem Ele era, como vemos em Mc 1:34: “E ele curou muitos doentes de toda a sorte de enfermidades; também expeliu muitos demônios, não lhes permitindo que falassem, porque sabiam quem ele era”. Além disso, instruía a muitos que recebiam seus milagres que não o dissessem a ninguém, conforme se observa, a título exemplificativo, em Mc 1:40-45, na cura de um leproso.
III.II) Além da obediência ao Pai, a compaixão era a grande motivação de seu ministério.
         Em Marcos 1:40-45, a Bíblia relata a cura de um leproso. As escrituras são claras em afirmar que, diante do leproso, Jesus, “profundamente compadecido” (v. 41), curou o homem. O registro desta compaixão do Senhor é importante, porque o pensamento dominante entre os gentios (não judeus), padrão este influenciado também pela cultura grega, era a de que a principal característica de Deus era a apatheia, isto é, a incapacidade de sentir qualquer emoção em relação a nós; sem compaixão (cf. SEAMANDS, David. Se ao menos. Venda Nova: Betânia, 1996, p. 40).
         A boa nova é que Deus se importa conosco, com nossos sofrimentos e adversidades, sendo a morte de Jesus na cruz o seu maior ato de identificação conosco, propiciando uma nova vida na presença do Senhor, do qual estávamos separados por causa do pecado.
         No episódio da cura da lepra, Jesus, movido de compaixão, mostra que Ele tem poder para restaurar o homem de sua miséria espiritual. A lepra, para a cultura do Antigo Testamento, representava a impureza espiritual; a perda da sensibilidade da pele pela doença simbolizava a corrupção moral e a insensibilidade do homem em relação ao pecado e de sua responsabilidade diante de Deus; o doente era tido por cerimonialmente impuro e já não podia mais praticar e viver os ritos do judaísmo, tendo que se afastar do convívio social de sua família e amigos para viver em um local separado da cidade para não contaminar outros com a moléstia, conotando que a natureza do pecado é a separação de Deus e do nosso semelhante.
         Nesse episódio, Jesus nos mostra que Ele tem poder para curar e transformar a condição decaída do homem. Ele tem poder para retirar do indivíduo a impureza e o pecado, aquilo que há de mais sujo no ser do homem, quebrando a cadeia da separação de Deus e da solidão, do ostracismo da “lepra” espiritual.
         Jesus tem poder para curar no físico, mas Ele, sobretudo, quer nos curar em nossas almas e ressuscitar o nosso espírito, plantando a salvação eterna.
         Os milagres de Jesus não eram simplesmente demonstradores do seu poder, mas eram verdadeiras parábolas vivas e dramatizadas que tinham a finalidade de demonstrar as essências do Reino de Deus para as pessoas, bem como as realidades espirituais; não é a toa que o apóstolo João chamava os milagres de “sinais” (cf. STOTT, John. Cristianismo Básico. Viçosa: Ultimato, 2007, p. 39). O nosso salvador não queria que os milagres ligassem o coração do homem a uma visão das coisas deste mundo, ao contrário do “evangelho” que muitos pregam hoje, canalizado para transformar Deus em um mero “fantoche” que tem a “obrigação” de atender todos os caprichos imediatistas do homem.
III.III) Jesus ensina com a autoridade outorgada por Deus.
         Ainda em Marcos 1:22, observa-se que as pessoas ficavam maravilhadas com o ensino de Jesus, porque ensina com autoridade e não como os escribas. A autoridade que os escribas reivindicavam era a própria citação de outros escribas renomados (cf. RYRIE, Charles. Bíblia Anotada Expandida. São Paulo: Mundo Cristão, 2006, p. 958), isto é, a tradição humana; eles eram despidos da verdadeira autoridade espiritual, que é aquela que Jesus tem e que todo cristão autentico deve possuir, oriunda de um íntimo relacionamento com o Senhor, que gera a vivência do fruto do Espírito e das realidades espirituais oriundas da graça de Deus.
III.IV) O ministério de Jesus era sustentado pela oração, objetivando o propósito de Deus Pai para Ele.
         Jesus não orava só para nos deixar o exemplo, mas, sobretudo, porque a comunhão com o Pai é a essência da vida e de todo serviço que tivermos que desenvolver em prol do Senhor. Em Mc 1:35, observa-se que Jesus ia para um lugar deserto para orar durante a madrugada, isto é, Ele desenvolveu a disciplina da oração em seu “lugar secreto” de intimidade com o Pai. E assim nós também devemos cultivar essa intimidade com Deus através da oração, buscando dEle o propósito específico para as nossas vidas, tal como o nosso salvador em Mc 1:38.
III.V) O serviço de Jesus pressupunha sua identidade em Deus e a sua humildade.
         Este é ponto crítico de cisão entre aquele que serve a Deus e aquele que trabalha para si próprio, cultivando seus interesses usando em vão o nome do Senhor. Em Marcos 1:9-11, vemos o episódio do batismo do nosso salvador, no qual o próprio Deus declara que Jesus é seu filho amado. A palavra grega para filho aqui é huios, o filho maduro, e não a palavra teknon, usada para as crianças (cf. Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 2422 e 2434). Jesus é o filho maduro de Deus, o qual desfruta do amor do Pai e faz a sua vontade em obediência e submissão a Ele, cumprindo o eterno propósito dEle estabelecido desde antes da fundação do mundo (Ef 1). Esse é o nosso alvo, como filhos maduros de Deus, desfrutando do amor do Pai, conscientes de que o Senhor nos adotou como filhos e obedecendo-lhe em resposta a Sua imensa graça recebida, concretizando a vontade dEle para gerar mais graça no desempenho do nosso serviço ao edificar o corpo de Cristo.
         No episódio do batismo de Jesus, o Espírito Santo desce sobre Ele na forma de uma pomba. No sistema do Antigo Testamento, uma das figuras que apontava para a morte de Cristo como exigência de Deus para o perdão dos nossos pecados e a nossa salvação era o holocausto (Lv 1), ou seja, o sacrifício de animais, que podia ser de gado miúdo, de carneiros, de cabritos (Lv 1:10) ou de rolas ou pombinhos (Lv 1:14), sendo esta última a oferta dos pobres. O batismo de Jesus, então, foi um batismo de simplicidade, de humildade, que é a beleza da santidade. Essa também é uma qualidade de caráter que precisamos buscar a cada dia na dependência de Deus.
         Hoje, fala-se muito em adquirir “unção sobrenatural” para o desempenho do serviço cristão, bem como para ganhar as pessoas para Cristo. Certamente, precisamos de unção, mas ela não vale de nada se não apresentamos o fruto do Espírito (Gl 5:22-23), que é um caráter transformado segundo as virtudes de Deus. Unção para quem não tem um caráter transformado só vai redundar na ruína da própria pessoa que a recebe, afinal “ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho; porque semelhante remendo tira parte do vestido, e faz-se maior a rotura”. “Nem se deita vinho novo em odres velhos; do contrário se rebentam, derrama-se o vinho, e os odres se perdem; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam” (Mt 9:16-17). A atual ênfase na “unção” nada mais é do que do que uma distorção do Evangelho da Verdade. A ênfase de Jesus sempre foi e sempre vai ser em uma vida transformada pelo Espírito Santo através do processo de arrependimento e fé. Leitor, não se engane com o que você anda ouvindo por aí.

IV) Parâmetros para uma crítica adequada dos sistemas religiosos à luz das Escrituras, bem como de uma autocrítica.
IV.I) Alguns textos gerais a amparar a crítica dos sistemas religiosos.
         Conforme já assentado acima, há uma essência que deve ser agregada no exercício do serviço cristão, bem como a Escritura é o nosso parâmetro de avaliação e crítica.
Crítica, sim. Rebeldia, não.
Somos chamados por Cristo para viver uma nova vida, o que não importa em jogarmos a nossa razão na lata do lixo em nome de um movimento religioso e recebê-lo sem uma avaliação criteriosa; afinal, o nosso culto envolve todo o nosso ser, inclusive o uso de nossas faculdades mentais: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Romanos 12:1).
O Senhor nos chama também a provar os espíritos para ver se são Deus: “Amados, não deis crédito a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque há muitos falsos profetas que se têm levantado no mundo...” (1 João 4:1). Aqui a advertência é justamente com o perigo dos falsos profetas.
As nossas faculdades mentais devem ser exercidas com prudência e discernimento, sendo que, conforme já salientado, a Bíblia nos exorta a não desprezarmos as profecias, mas somente reter o que é bom, abstendo-nos de toda a forma de mal (1 Ts 5:19-21).
O bom exemplo de cristãos é dado pelos crentes da cidade de Beréia em Atos dos Apóstolos, capítulo 17:10-12:
E logo, de noite, os irmãos enviaram Paulo e Silas para Beréia; tendo eles ali chegado, foram à sinagoga dos judeus. Ora, estes eram mais nobres do que os de Tessalônica, porque receberam a palavra com toda avidez, examinando diariamente as Escrituras para ver se estas coisas eram assim. De sorte que muitos deles creram, bem como bom número de mulheres gregas de alta posição e não poucos homens (grifo nosso).
IV.II) O exemplo do Apóstolo Paulo e de C. S. Lewis:
         Um bom exemplo de crítica aos sistemas religiosos foi feito pelo apóstolo Paulo. Ele não citava nomes, mas, de forma explícita e contundente, confrontava os falsos ensinos à luz das Escrituras. Não desqualificava a pessoa do líder, nem mencionava seu nome ou qualquer outra característica, mas atacava o pensamento, o falso ensino disseminado.
         Semelhantemente, preservando a ética, o escritor cristão C. S. Lewis, defrontou-se com a tarefa de desqualificar uma determinada forma de sistema de ensino que retirava do pensamento humano a qualidade de emitir juízos valorativos. Ele criticou as idéias de um livro específico, chamando-o sob o pseudônimo de “Green Book” (livro verde) e os seus autores, de “Gaio” e “Tício” em vez dos nomes originais, abordando e confrontando as ideias veiculadas, bem como esclarecendo as graves consequências de sua adoção (cf. The Abolition of Man. New York: HarperCollins, 2001).
IV.III) A utilidade da crítica dos sistemas religiosos e uma reflexão para a nossa autocrítica:
         A utilidade das ideias aqui veiculadas a respeito da estrutura eclesiástica à luz do Novo Testamento, bem como à luz do ministério de Jesus, de modo algum, serve para criar ainda mais rebeldia no meio do povo de Deus, mas para aprofundar a nossa responsabilidade pessoal diante do Senhor, além de conscientizar o leitor de que nós devemos andar de acordo com os parâmetros que Deus estabeleceu em sua Palavra, bem como somos responsáveis pelo que ensinamos e passamos aos outros a título de ensino e não podemos disseminar um ensino distorcido da Palavra para alimentar os fins pessoais de líderes que andam desviados da Verdade naquilo que não condiz com a pureza das Escrituras.
         A segunda utilidade é a detecção dos falsos profetas e mestres, o que o próprio Jesus, no famoso Sermão do Monte, disse que seriam pedras de tropeço para nós e que os conheceríamos pelos seus maus frutos (Mt 7:15-23).
         A terceira utilidade que se pode levantar é para a nossa vida pessoal. Como temos desempenhado o serviço cristão? Temos trabalhado para nós mesmos ou temos trabalhado para o Senhor? Temos usado o Evangelho para nossos próprios fins egoístas de reconhecimento, fama, acúmulo de bens, para compensar carências pessoais? Qual é a nossa verdadeira motivação na prática das boas obras? Essas são perguntas que cada um de nós tem de responder para si mesmo diante de Deus e pedir para que o Senhor por meio do Espírito Santo nos sonde a fim de que possamos nos arrepender do que temos praticado.
         O que tem sido mais importante para nós, ostentar uma reputação através do desempenho de alguma obra ou um caráter transformado à imagem e semelhança da virtude Cristo? O que tem sido mais importante para nós, ostentar dons espirituais que todos podem ver ou o fruto do Espírito? A maioria de nós não tem um título eclesiástico, mas, com certeza, todos nós temos uma reputação de crente construída a partir de algo que ostentamos para os outros. Temos passado para os outros algo que realmente não somos?
         O que temos passado para os outros a título de Evangelho? Jesus trabalha com a Verdade. Ele confrontou a mulher samaritana a respeito de suas relações sexuais desregradas, confrontou Nicodemos a respeito da necessidade de um novo nascimento, confrontou o jovem rico a respeito de seu materialismo, confrontou os discípulos a respeito da incredulidade deles, entre outros muitos exemplos. Jesus confrontava a respeito das estruturas de pecado e orgulho das pessoas a fim de levá-las ao arrependimento e herdarem a salvação eterna. O que temos oferecido às pessoas, um “evangelho de melhoria de vida”, de “fim de sofrimentos” ou um Evangelho do arrependimento? Não é a toa que os bancos das igrejas estão cheios de “crentes carnais”, se é que se pode chamá-los assim.
         Leitor, somente a Verdade, por mais dura que ela seja, inclusive a respeito de nós mesmos, tem poder para nos libertar. Pense nisso.
          
Pablo Luiz Rodrigues Ferreira
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com