sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A FORTALEZA ESPIRITUAL DO ENGANO DE IDENTIDADE E A CRISE DE IDENTIDADE À LUZ DA BÍBLIA: A TENTAÇÃO E A FORMA DE CONSTRUÇÃO DA IDOLATRIA, BEM COMO UMA BREVE APRECIAÇÃO DO CICLO DO PECADO SEXUAL E DOS VÍCIOS DE FORMA GERAL




A palavra chave que caracteriza o estado da queda do homem é “separação”; o pecado, corrompendo todo o nosso ser, mantendo-nos sob uma condição de mente iníqua e reprovável, separou-nos de Deus e, por via de consequência, afetou o nosso aspecto relacional, separando-nos do cultivo sadio e sem barreiras de relacionamentos com o próximo, conosco mesmos e com a natureza.
 Com a queda, o homem entrou em um estado de inimizade com Deus, passando a negar a soberania dEle sobre todas as coisas criadas, inclusive sobre si, bem como não Lhe dando a glória devida como criador; o homem, que inicialmente extraia de Deus toda a sua identidade, valor como pessoa e destino, passa por um processo de degradação de sua personalidade no qual passa a extrair a sua identidade das coisas criadas, ou, de acordo com as expressões utilizadas em Romanos 1:25, muda a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador.
O texto de Romanos 1:18-25 traz de forma explícita os efeitos da queda, asseverando que o homem em sua condição natural, morto em seus delitos e pecados, não nascido do Espírito Santo encontra-se nesse estado de separação de Deus, sendo entregue a uma mentalidade maligna e sujeito toda sorte de paixões, perversões e desejos egoístas, conforme se depreende do texto abaixo transcrito:

18 A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça; 19 porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. 20 Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis; 21 porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. 22 Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos 23 e mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. 24 Por isso, Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de seu próprio coração, para desonrarem o seu corpo entre si; 25 pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém! 26 Por causa disso, os entregou Deus a paixões infames; porque até as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por outro, contrário à natureza; 27 semelhantemente, os homens também, deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro. 28 E, por haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas inconvenientes, 29 cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade; possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade; sendo difamadores, 30 caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais, 31 insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia. 32 Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem (Romanos 1:18-32 – ARA, grifos nossos).

O homem é um ser adorador por natureza e estrutura intrínseca, isto é, ele extrai sua identidade daquilo que adora, daquilo que atribui como fonte de valor para si, portanto, se ele não adora a Deus, passará a adorar as coisas criadas, fazendo das mesmas o eixo sobre o qual sua vida gravitará e, assim fazendo, será transformado à imagem e semelhança das coisas que adora e será tão vazio quanto elas. Neste sentido, o Salmo 115:4-8 assim veicula a respeito da idolatria:

4 Prata e ouro são os ídolos deles, obra das mãos de homens. 5 Têm boca e não falam; têm olhos e não veem; 6 têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram. 7 Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta. 8 Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam (ARA, grifos nossos).

E também o Salmo 97:7 dispõe: “Sejam confundidos todos os que servem a imagens de escultura, os que se gloriam de ídolos; prostrem-se diante dele todos os deuses” (ARA). O texto citado traz uma palavra interessante quanto ao ciclo de formação da idolatria, qual seja o verbo “confundir”, pelo que se infere que o homem em sua condição decaída e idólatra das coisas criadas padece de estado de confusão quanto à sua identidade. O dicionário Michaelis assim define a palavra confusão:

confusão
con.fu.são
sf (lat confusione) 1 Ação ou efeito de confundir. 2 Estado do que se acha aturdido: A confusão do motorista originou-se da balbúrdia do trânsito. 3 Dir Mistura de coisas pertencentes a diversos donos. 4 Dir Modo de extinção da obrigação pela reunião, na mesma pessoa, das qualidades de devedor e credor relativamente à mesma coisa ou obrigação. 5 Falta de ordem ou de método. 6 Tumulto, revolta, barulho. 7 Estado do que encontra dificuldade em discernir. 8 Falta de clareza. 9 Embaraço, causado pela vergonha de alguma falta. 10 Perplexidade. Antônimos (acepções 2, 7, 8 e 10): clareza; (acepções 5 e 6): ordem. C. das línguas: impossibilidade em que, segundo a Bíblia, se acharam os operários da torre de Babel, de se entenderem mutuamente. C. de poderes: estado de um governo em que os poderes estão mal limitados ou se impedem uns aos outros. C. mental, Psiq: estado mental caracterizado pela mistura de ideias, a qual conduz à perturbação do entendimento e consequente perplexidade (grifo nosso).

Dentre as acepções da palavra “confusão”, a que melhor descreve a condição da queda é a dificuldade de discernir, ou melhor, a incapacidade de discernir as verdades espirituais, o que está em consonância com 1 Coríntios 2:14, no sentido de que o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.
O homem em seu estado natural de queda, portanto, é incapaz de discernir as verdades espirituais, inclusive a verdade fundamental a respeito de sua identidade, criado à imagem e semelhança de Deus para conhecê-lo e desfrutar de íntima comunhão com Ele e do Seu amor incondicional e, por via de consequência, devido à separação de Deus, sofre de uma “solidão primal”, um vazio infinito que só pode ser preenchido pela presença de Deus e, para compensar e reparar este vazio e solidão, ele passa a se distorcer e se contorcer em direção as coisas criadas para das mesmas extrair sua identidade e, assim, a iniquidade da idolatria vai se formando no coração humano, o que, em essência, nada mais é do que amar a si mesmo usando pessoas e coisas como meio, o que gera um “eu” falso e usurpador da verdadeira vida de Deus, um “eu” fragmentado, partido e separado de Deus e faminto da necessidade insaciável de se autoafirmar para existir. Neste sentido, as palavras de Leanne Payne:

“Nascemos incapazes. Logo que somos plenamente conscientes descobrimos a solidão”, escreveu C. S. Lewis. Nascidos solitários, tentamos nos encaixar, ser o tipo de gente que faça as outras pessoas gostarem de nós. Devido a essa carência e extrema necessidade de afirmação dos outros, acabamos nos comprometendo – usando qualquer máscara, ou muitas máscaras; fazemos até coisas que não gostamos buscando sermos aceitos. Entortamo-nos (usando outra imagem de Lewis), contorcemo-nos, em direção à criatura, tentando encontrar a nossa identidade nela. Devagar e compulsivamente, o falso “eu” fecha a sua concha dura e quebradiça ao nosso redor, e o que nos resta é nossa solidão (Imagens partidas. São Paulo: Sepal, 2001, p. 151).

Deus nos criou com uma série de necessidades naturais a ser satisfeitas para o nosso “bom funcionamento”, tais como alimentação, segurança, proteção, pertencimento, amor, autoestima, realização pessoal, de sentir que há um propósito para nossas vidas. De acordo com Mark e Debra Laaser, todo ser humano tem sete desejos, que são básicos e universais, quais sejam o desejo de ser ouvido e ser entendido, de ser afirmado, de ser abençoado, de estar seguro, de ser tocado, de ser escolhido, e de ser incluído e, é no preenchimento e na satisfação destas necessidades, que o ser humano valida sua própria existência e pode desfrutar relacionamentos profundos e ricos com Deus e com as pessoas (The seven desires of every heart. Grand Rapids: Zondervan, 2004, p. 13).
Essas são necessidades naturais, dadas por Deus, integrantes da nossa estrutura como seres humanos e o nosso estado de queda não mudou o fato de que necessitamos preenchê-las para conferir significação para as nossas vidas; são partes componentes da nossa identidade, contudo, em razão da queda e do nosso coração corrupto pelo pecado (Jr 17), procuramos a satisfação de tais necessidades nas coisas criadas e nas pessoas (Rm 1:25), rejeitando o preenchimento das mesmas em Deus e é ai que o inimigo entra.

13 Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. 14 Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. 15 Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte (Tiago 1:13-15 – ARA).

Conforme já exposto acima, em toda tentação, o inimigo lança sobre nós o engano de identidade, dizendo: “falta algo em você e você precisa fazer algo a respeito para suprir essa necessidade”. Como disse Thomas Merton: “Nossas vidas são formatadas pelas coisas que desejamos” e, assim, o inimigo nos leva, através do engano de identidade, a satisfazer nossas necessidades básicas e universais de forma pecaminosa, construindo uma vida marcada pela separação de Deus e pela idolatria.
Essas necessidades fundamentais devem ser supridas em primeiro lugar na família; ela é a grande modeladora da nossa identidade e, por isso, o diabo não tem poupado esforços para desestruturá-la e destruí-la a fim de que a descendência gerada saia toda deformada emocionalmente. É através dos nossos pais e figuras de autoridade em nossas vidas que a nossa identidade vai sendo construída ao longo da infância e adolescência e o alvo é que essas pessoas saibam passar-nos aceitação, compreensão, afeto, segurança, benção, direção, afirmação e valor como pessoas, de modo que a nossa estrutura emocional seja plenamente desenvolvida e saiamos do egoísmo infantil para uma vida adulta madura de relacionamentos com o próximo e com Deus.
Com a desestruturação da família seja na forma de infidelidade, divórcios, abusos físicos, emocionais e sexuais, traumas ou abandono emocional, o inimigo constrói a iniquidade da rejeição no indivíduo, isto é, a descendência fica prejudicada por não ter conseguido atingir o preenchimento dessas necessidades fundamentais componentes da identidade pessoal, tendo como resultado de todo esse quadro o surgimento de indivíduos que, apesar de cronologicamente adultos, são emocionalmente crianças, egoístas, autocentradas, querendo ser o centro das atenções e querendo que todas as suas necessidades sejam satisfeitas imediatamente, já que este é o mundo da criança e tais indivíduos não tiveram a sua identidade liberada para agir e interagir como seres dotados de autonomia para crescer, multiplicar, intervir no meio ambiente e transformá-lo e realizarem-se como pessoas.
Na fase da adolescência, tais desejos fundamentais são sexualizados e o indivíduo carente passa a buscar sua satisfação através das práticas sexuais; procura-se através da relação sexual e dos comportamentos sexuais (pornografia, masturbação, fetiches, exibicionismo, etc.) atingir essas necessidades de afirmação, afeto, segurança, identidade como uma forma de “compensar”, “reparar” a dor psíquica da rejeição, já que o sexo é a forma mais profunda de interação e intimidade entre as pessoas. É por isso que, na mesma proporção em que a família é degenerada, crescem os índices de perversões e vícios sexuais. Essa “fome emocional” transforma o indivíduo em um “canibal emocional”; o indivíduo quer se “alimentar” do que o outro tem, buscando no outro a sua identidade e valor como pessoa, vendo no parceiro e nas práticas sexuais uma forma de completar aquilo que perdeu, isto é, sua identidade, que, aos seus olhos, é rejeitada e inferior, transformando, assim, o parceiro e as práticas sexuais em um verdadeiro ídolo ao qual o indivíduo investe “adoração”, tempo, recursos, intimidade e nutrindo com ele uma relação de dependência emocional.
A mesma dinâmica do vício sexual se aplica ao vício em trabalho, vício de comprar, vício em atividade física, vício em drogas e substâncias entorpecentes, entre outros; todos são formas de compensação da dor causada pela perda da identidade e que mantém a pessoa em dependência emocional quanto à busca de satisfação das necessidades emocionais básicas.
Tão somente pelo fato da queda original e da consequente separação de Deus por causa do pecado, o ser humano sofre de uma “solidão primal”, um vazio que tenta preencher através das coisas criadas e das pessoas, por isso não há ser humano na face da Terra que não necessite ser curado de uma forma doentia de amor. Contudo, essa “solidão primal” agrava-se quando as necessidades fundamentais do ser humano não são preenchidas através da família, pais, figuras de autoridade, transformando-se em um verdadeiro cativeiro emocional que empurra a pessoa para todo tipo de satisfação egoísta, paixões e perversões e, o pior de tudo isso, é que o indivíduo espiritual e emocionalmente enfermo vai reproduzindo as feridas que recebeu em sua descendência, ou seja, ele fere com a mesma arma que foi ferido e, assim, a rejeição, as amarguras de alma e os vícios vão passando de pai para filho. 
Pode-se, portanto, entender quão mortífero é o engano de identidade. O inimigo vem com suas sugestões malignas, pervertendo nossos desejos básicos de identidade e destino a fim de que os preenchamos de forma pecaminosa e imprópria e, assim, ele vai distorcendo a nossa personalidade com o pecado e a iniquidade, com a construção das fortalezas da mente. A sugestão satânica: “falta algo em você e você precisa fazer algo a respeito para suprir essa necessidade” é altamente nociva e, para um indivíduo emocionalmente carente, é mortal, já que acredita e recebe como “verdade” o fato de ser despido de valor e propósito de vida e transforma-se em escravo dos seus próprios desejos e emoções vivendo em função de satisfazê-los. E para manter o indivíduo preso no cativeiro, o inimigo continua a dizer: “você não pode viver sem isso”, “você não pode viver sem fulano”.
Diante do exposto, reflita e peça ao Espírito Santo para lhe revelar a verdade: naquelas áreas em que você é frequentemente tentado e cai, quais os desejos que o diabo está querendo perverter? O que o inimigo tem insinuado que falta em você relativamente as necessidades fundamentais de ser ouvido e ser entendido, de ser afirmado, de ser abençoado, de estar seguro, de ser tocado, de ser escolhido, e de ser incluído?
Identificar a mentira é o primeiro passo para a restauração.


Pablo Luiz Rodrigues Ferreira
rugidodaverdade.blogspot.com


Excerto retirado do texto de minha autoria UM NOVO IMAGINÁRIO, UMA NOVA MENTALIDADE: REFLEXÕES SOBRE OS FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA RENOVAÇÃO DA MENTE, a ser postado futuramente no blog rugidodaverdade.blogspot.com