A
grande verdade a nosso respeito é que fomos criados à imagem e semelhança de
Deus (Gn 1:27) com a finalidade de conhecê-lo; criados perfeitos e plenos em
Deus para viver em uma união íntima com Ele, extraindo dEle nossa fonte de identidade
e destino.
Entretanto,
no Éden, a crise de identidade começou com a queda do homem. Na tentação de Eva,
o diabo (a serpente) introduziu o engano da identidade:
Então,
a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no
dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis
conhecedores do bem e do mal (Gênesis 3:4-5 – ARA, grifos nossos).
A
serpente disse a Eva que faltava algo nela, o conhecimento do bem e do mal, e
que, de posse de tal conhecimento, ela seria como Deus, isto é, a serpente
estava insinuando que Eva não era igual a Deus e que ela deveria fazer algo a
respeito para reparar, para superar sua “incompletude” e “imperfeição”. O
inimigo teve de mexer na identidade de Eva para fazê-la pecar, já que ela foi
criada pura, santa e sem pecado, com um coração disposto somente para obedecer
a Deus e fazer o bem e, se o pecado se apresentasse como tal, ela simplesmente
recusaria a cometê-lo. Contudo, Eva recebeu em seu coração o engano de
identidade, acreditou que era “imperfeita”, “incompleta”, acreditou que não era
como Deus, acreditou que lhe faltava algo e que precisava fazer algo a
respeito.
Por
que o que serpente falou a Eva era mentira ou uma “meia verdade”, se você
preferir?
Porque
Adão e Eva eram como Deus, criados à sua imagem e semelhança e, como Deus, eles
eram santos, puros, sem pecado; perfeitos em suas faculdades mentais; plenos em
seu aspecto relacional com Deus, consigo mesmos, com o próximo e com o meio ambiente
em que viviam, com a capacidade de conhecer a si mesmos em seu valor como
pessoa, o qual derivava de Deus, sem necessidade de buscar fora de si algo para
servir de significante de suas identidades, podendo, sem qualquer vergonha,
relacionar-se com o próximo em estado de “nudez”, transparência, dando-se a
conhecer exatamente como eram, sem barreiras, sem máscaras, expressando seu ser
desembaraçadamente, sem medo de qualquer rejeição; semelhantemente a Deus,
exerciam domínio sobre as coisas criadas, intervindo no meio ambiente em que
viviam, interagindo com o mesmo de forma equilibrada, lançando mão do exercício
de sua faculdade criativa (criatividade) e, assim, transformando a natureza, de
modo a dela usufruir para seu bem-estar.
Se
há um pecado que o crente tem de se preocupar é o da incredulidade; esta trouxe
graves consequências, as quais nós colhemos como fruto maldito até os dias de
hoje e que pode nos impedir de entrar no descanso com Deus neste mundo e no
porvir.
De
semelhante modo, o inimigo agiu com Jesus durante a tentação no deserto,
conforme vemos em Mateus 4:1-11:
O inimigo lançou um engano de
identidade sobre Jesus com a expressão “se és filho de Deus”, tentando forçá-lo
a fazer algo a respeito para provar tal condição e, assim, fazê-lo pecar com “a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 Jo
2:16 – ARA), ou, como diz a Bíblia na Linguagem de Hoje, com “os maus desejos
da natureza humana, a vontade de ter o que agrada aos olhos e o orgulho pelas
coisas da vida”.
Da mesma forma como o diabo tentou
Eva e Jesus, ele nos tenta, introduzindo o engano de identidade, dizendo:
“falta algo em você e você precisa fazer algo a respeito para suprir essa
necessidade” (obs: estas ideias a respeito da tentação de Eva e
Jesus e da dinâmica da tentação, recebi do irmão Willy Torresin em uma de suas
pregações na Conferência SER, realizada em Belém/PA, nos dias 28 de junho a 01
de julho de 2012, pelo Ministério SER – Sexualidade e Restauração).
Aliás, esta é a essência do ativismo religioso, a de que nos falta a
aceitação e a aprovação de Deus e que precisamos fazer obras a fim de que Ele
nos conceda a benção; assim, satanás perverte nosso relacionamento com Deus em
um sistema de barganha. Um relacionamento que deveria se basear na pura graça,
no favor imerecido de Deus, passa a se desenvolver em um nível em que
oferecemos a Deus “obras” para nos autojustificar e autosantificar, o que, no
fundo, não passa de uma religião falsa de méritos, de legalismo, de uma tirania
de deveres e obrigações e que, ao invés de oferecer uma identidade dotada de
estabilidade e baseada no imutável do amor de Deus, que nos adotou como filhos
seus, fundamenta-se no desempenho e na variabilidade das circunstâncias,
concedendo-nos uma segurança de identidade vazia, já que esta dependeria do
êxito pessoal, o qual nem sempre é atingido, gerando um ciclo crescente de
sentimentos de culpa, insegurança, inadequação, frustração e mantendo a pessoa
cativa em padrões de aceitação inatingíveis. A pessoa, portanto, não se torna
liberada para ser filho de Deus e “ser humano”, mas se encontra cativa como um
prisioneiro para se reduzir tão somente a um “fazer humano”. O inimigo faz as
seguintes insinuações, pervertendo as disciplinas cristãs mais comuns da vida
cristã e utilizando-se até da mecânica do sistema religioso: “olha, você não
leu a Bíblia o suficiente, você não orou o suficiente, não foi para aquele
evento da igreja, não participou de vigílias, não está jejuando o suficiente,
você precisa fazer algo a respeito, empenhar-se mais para que seja aceito
diante de Deus”, “você não participa de nenhum ministério, não é líder de
célula, você não tem discípulos o suficiente, você não é frutífero e a árvore
que não dá fruto será lançada fora e Deus cobrará o sangue dos perdidos da sua
cabeça, você precisa fazer algo a respeito para ser um obreiro aprovado diante
de Deus”.
Onde está o sofisma do inimigo no
ativismo religioso?
Primeiramente, porque somos salvos
pela graça mediante a fé (Ef 2:8) e não pelas obras das nossas mãos (Rm 11:6),
até mesmo porque a nossa justiça aos olhos de Deus é como trapo de imundície
(Is 64:6). As obras que fazemos têm de ser fruto, evidência de uma fé salvadora;
são consequência da fé e da salvação em Cristo e não a sua causa; evidenciam de
forma externa a graça recebida internamente no coração do homem, a
transformação do nosso caráter à semelhança de Cristo.
Se a nossa identidade depender das obras
que realizamos, no dia em que não pudermos fazê-las, sentir-nos-emos as piores
criaturas da face da Terra diante de Deus; a prisão das obras como fonte de
identidade é como uma boca que nunca para de comer, sempre faminta e insaciável
e que, em casos extremos, leva-nos ao esgotamento espiritual, físico e
emocional, até mesmo porque, por mais obras que façamos, nunca resolveremos o
problema do pecado, seja o nosso, seja o do nosso irmão em Cristo, seja o
pecado dos perdidos.
Obras humanas não se constituem na solução
para o pecado; a questão do pecado do mundo não é um problema nosso, não está
ao nosso alcance resolvê-lo, mas é uma questão que Deus, de forma soberana,
administra por sua graça, aceitando os méritos da obra que Cristo realizou
morrendo na cruz, imputando a justiça que vem dEle em nós os que cremos; Deus
nos usa tão somente como canais de sua graça para alcançar os perdidos, mas nós
nunca fomos e nunca seremos a solução da morte espiritual deles; os perdidos
que habitarão o inferno pela eternidade não estarão lá porque não fizemos o
suficiente para os alcançar, mas por causa do pecado; a única solução para o
pecado sempre foi e sempre será o sangue do cordeiro morto antes da fundação do
mundo (Ap 13:8). Deus é soberano e nada, nem ninguém, frustrará qualquer um de
seus desígnios e propósitos; tudo o que Ele determinou, assim se cumprirá e
nenhum de seus eleitos será arrebatado de sua mão.
O nosso papel a cada dia é desfrutar de um
relacionamento íntimo e sincero com nosso Pai Celestial, desfrutando de uma identidade
segura que provém de nossa condição de filhos, rogando para que Ele nos mostre
o que quer de nós em termos de serviço; Deus nos criou com um propósito e nos reservou
para um ministério para que manifestemos a sua multiforme graça nesse mundo. Deus,
sem dúvida, quer nos usar e devemos orar para que Ele nos conduza ao centro da
vontade dEle e vigiar para que as obras que fazemos não calem a nossa adoração
e não nos roubem o tempo de refrigério, crescimento e cura na presença do Pai.
Outro engano do ativismo religioso é a
confusão “infantil” entre aceitação e aprovação. O inimigo distorce os dois
conceitos como se fosse um só, causando extrema confusão na mente das pessoas. A
aceitação diz respeito à nossa identidade, à nossa condição diante de Deus e, como
já exposto acima, esta é baseada na graça mediante a fé, a qual nos torna
filhos de Deus, não se referindo, por via de consequência, ao nosso
comportamento e às nossas obras, conforme encontramos em João 1:12-13: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o
poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os
quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
mas de Deus” (ARA). Por outro lado, aprovação diz respeito ao nosso
comportamento e às nossas obras e, neste nível, como filhos, Deus trata o nosso
caráter a fim de seja gerado em nós a imagem e semelhança de Cristo; somos
submetidos a uma série de provações para que, nelas aprovados, possamos
desenvolver o fruto do Espírito e a perseverança como santos, cooperando com
Deus naquilo que Ele estabeleceu para nós como propósito de vida e ministério e
sendo despenseiros, canais de sua multiforme graça (1 Pe 4:10).
Podemos até ter sido reprovados em uma
provação por não ter conseguido alcançar o que Deus queria tratar em uma
determinada área de nossa vida ou mesmo ter caído em algum pecado contra o qual
estamos em frequente luta para obter cura, mas isso não muda o fato de que Deus
nos ama e nos aceita incondicionalmente por sua graça.
A aceitação diz respeito, portanto, à
dimensão de nossa justificação diante de Deus e a aprovação ou reprovação diz
respeito ao nosso processo de santificação. Devemos possuir estes conceitos bem
arrumados em nossas mentes e corações para não cair em confusão todas as vezes
que estivermos sendo provados ou mesmo tentados e, porventura, acabar achando
que Deus está nos rejeitando com a disciplina aplicada, até mesmo porque o
Senhor disciplina a quem ama a fim de produzir em nós a santidade, conforme se
depreende de Hebreus 12:
4
Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue 5
e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho
meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele
és reprovado; 6 porque o Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a
quem recebe. 7 É para disciplina que perseverais (Deus vos trata como
filhos); pois que filho há que o pai não corrige? 8 Mas, se estais sem
correção, de que todos se têm tornado participantes, logo, sois bastardos e não
filhos. 9 Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos
corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao
Pai espiritual e, então, viveremos? 10 Pois eles nos corrigiam por pouco tempo,
segundo melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina para
aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. 11 Toda
disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de
tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico aos que têm sido
por ela exercitados, fruto de justiça (ARA, grifos nossos).
A cada dia que passa, percebe-se a
dificuldade que é admoestar e corrigir uma pessoa, o que tem suas raízes, em
grande parte, na formação e criação familiar, em que os pais não sabem educar
seus filhos de forma que eles percebam que a finalidade da disciplina é
corrigir o mau comportamento e não a rejeição da sua identidade como filhos. Os
pais têm o papel fundamental na disciplina em mostrar aos filhos que o comportamento
está errado, mas que eles serão sempre amados e aceitos como filhos,
independentemente de sua conduta ou méritos pessoais. Isto só pode ser obtido
com equilíbrio na disciplina por pais que tenham estabilidade emocional e saibam
combinar a repreensão e as várias linguagens de expressão do amor: as palavras
de afirmação, dizendo o quanto os filhos são amados e preciosos, mantendo com
eles um canal sempre aberto de comunicação, o toque físico (os abraços, beijos,
etc.), o tempo de qualidade (passeios, brincadeiras), os presentes, o serviço
em favor dos filhos.
A realidade atual, contudo, é outra, qual
seja a de degradação da família. Os pais não mais enxergam a tarefa de educar
seus filhos como um nobre ministério desenvolvido por amor a Deus, tratando-os
como a sua herança. Para muitos, ter filhos é como um fardo que não vale a pena
o tempo gasto e os pais de hoje não gozam de uma boa estabilidade emocional
para educar, nem tampouco tomam posse da verdade bíblica que liberta, e os
filhos acabam sendo fruto de palavras ditas e “malditas”, vítimas de abusos
físicos, emocionais e sexuais, abandono sentimental, divórcios, infidelidade,
insegurança, o que só reforça o jugo de rejeição e um estigma de ser um “órfão
de pais vivos”, de forma que as pessoas se tornam inaptas a ser corrigidas, já
que interpretam qualquer correção ou crítica como uma forma de rejeição,
transferindo essas memórias dolorosas de vida familiar para os seus
relacionamentos com Deus e com o próximo, tendo tais relacionamentos
prejudicados pela insegurança, pela amargura de alma, pelo medo de ser rejeitado
e, por isso, acabam por desenvolver uma personalidade insegura, fazendo de
tudo, até mesmo de forma pecaminosa, para conquistar a aprovação dos outros e
de Deus e reagindo de forma completamente desproporcional e irracional a toda
forma de correção ministrada para lhes edificar.
O inimigo implanta a seguinte fórmula de
confusão:
Aprovação
significa aceitação. Desaprovação significa não aceitação ou rejeição. Então
aprovação significa, “eu sou amado e aceito”. Desaprovação significa, “eu não
sou amado, mas rejeitado” (SEAMANDS, David A. Putting away childish things. In: Healing
your heart of painful emotions. New York: Inspirational Press, 1993, p.
196).
Caro leitor, sonde-se e responda para si
mesmo, rogando ao Espírito Santo de Deus que lhe mostre a verdade: até que
ponto sua identidade depende da graça de Deus? Até que ponto seu relacionamento
com as pessoas e com Deus depende do seu desempenho e mérito pessoais? Na hora
da provação, da correção ou da crítica, você se sente rejeitado, tentando se
justificar veementemente ou recebe a disciplina como algo da parte de Deus para
o seu bem?
Pablo Luiz Rodrigues
Ferreira
rugidodaverdade.blogspot.com
Excerto retirado do texto de minha
autoria UM NOVO IMAGINÁRIO, UMA NOVA MENTALIDADE: REFLEXÕES SOBRE OS
FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA RENOVAÇÃO DA MENTE, a ser postado
futuramente no blog rugidodaverdade.blogspot.com
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