Se vocês ainda acham que o pecado é pouca coisas, leiam este texto.
Espero que vocês sejam profundamente edificados pelo Espírito Santo.
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A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: A RESTAURAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS COMO PARTE INTEGRANTE DA RENOVAÇÃO DA MENTE - PARTE 1
I)
O aspecto relacional de ser criado à imagem e semelhança de Deus
Disse
mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora
que lhe seja idônea (Gênesis 2:18).
A Bíblia Sagrada é enfática ao dizer que
fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26-27), de modo que, a
cada dia, conhecendo a estrutura do ser humano à luz de ciências como a
medicina, a biologia, a psicologia, as neurociências, pode-se ver a sua enorme
complexidade biológica e relacional e, como o salmista Davi, dizer: “Graças te dou, visto que por modo
assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a
minha alma o sabe muito bem” (Salmo 139:14 – Bíblia versão Almeida Revista
e Atualizada - ARA).
A criação manifesta os atributos invisíveis
de Deus, seu poder e sua glória (Romanos 1:20), pelo que, a medida em que nos
deslumbramos com o conhecimento das coisas criadas, inclusive da estrutura do
ser humano, devemos render glória ao Senhor e exaltá-lo pela profundidade de
seu pensamento, por sua multiforme criatividade, pela grandeza de seu poder,
pela manifestação da sua glória, pelo seu eterno amor por nos ter criado para
que tivéssemos relacionamento com Ele.
Ser imagem e semelhança de Deus vai muito
além de ter uma mente inteligente, uma personalidade, emoções, mas também
significa que herdamos dEle a capacidade de se relacionar com o outro. Alguém
só pode dar aquilo que tem para outra pessoa e, com Deus, isso não é diferente;
só temos a capacidade de nos relacionar, porque esta é uma capacidade que o
próprio Deus tem por essência, independentemente das coisas criadas.
Deus é completo, autossuficiente, imutável,
não necessitando das coisas criadas para, de algum modo, aperfeiçoar-se. Deus é
perfeito, completo e autossuficiente, inclusive em seu aspecto relacional: Deus
é um e é três em um; Deus é Pai, Filho e Espírito Santo; o Deus trino, a
Santíssima Trindade, uma estrutura de personalidade existencial que mente
humana alguma pode sondar e perscrutar.
Dentro da Trindade há relacionamento entre
o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A título de exemplo, o Evangelho de João é
rico em demonstrar um amor peculiar entre Deus Pai e Deus Filho, tal como em João
3:35, 5:20, 14:31, mostrando que esse vínculo de filiação de Jesus não começou
quando nosso salvador veio a Terra cumprir o plano da redenção, mas desde a eternidade (João 17:5),
mostrando que Jesus tem uma experiência compartilhada de relacionamento desde
antes da fundação do mundo, na eternidade passada; desde a eternidade, Deus
Filho tem relacionamento de amor, obediência e intimidade com Deus Pai,
intimidade esta que é tão profunda a ponto de Deus Pai, por amor ao seu filho
unigênito, mostrar-lhe tudo o que faz, sendo que Jesus faz tudo o que o Pai faz
por ser sua exata expressão (Hebreus 1:3), fazendo apenas o que vê seu Pai
fazer (João 5:19-20) e chegando a dizer: “A
minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua
obra” (João 4:34 - ARA) (cf. CARSON, Donald A. A Difícil Doutrina do Amor de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p.
17, 36-37, 41). O Espírito Santo, sendo Deus, também goza da mesma intimidade e
amor que Jesus dentro da Trindade, ao ponto das Escrituras afirmarem de forma
categórica que o Espírito conhece as profundezas de Deus (1 Coríntios
2:10).
Existe em Deus, desde antes da
fundação do mundo, a esfera do relacionamento, o que permitiu a Ele criar o
homem de tal forma que ele se organizasse em várias instâncias de pluralidade,
tais como em forma de casal em uma união em que homem e mulher formam uma só
carne, assim como Deus é três em um; de família, de filiação e adoção, de
estabelecimento de gerações; de amizade, afeto e companheirismo; na forma de
instituições, governo, Estado, tribos, sociedade, bem como na forma de reunião
dos santos no corpo de Cristo como a igreja do Senhor.
Assim está escrito em Gênesis 1:26a:
“Também disse Deus: Façamos o homem à
nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (ARA). O homem foi criado pela
Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo conjuntamente o fizeram, conforme se
depreende do citado versículo, em que as Escrituras se utilizam do verbo fazer
no plural, o que denota uma atividade conjunta, tendo Deus, por conseguinte,
transferido ao homem esta capacidade relacional.
II)
As perfeições originais do Éden e os efeitos da “Queda”: a questão do pecado
original e o do mal no mundo
A criação de Deus foi dotada do estado de
perfeição. Tudo Deus criou perfeito, como perfeito Ele é. O universo foi criado
perfeito, regido por leis naturais perfeitas (perfeição universal); Deus criou
o mundo com ecossistemas de animais, plantas, minerais, com um equilíbrio
perfeito entre eles (perfeição ecológica). Estabeleceu o homem e a mulher
perfeitos, feitos à sua perfeita imagem; Deus criou todo o universo e o mundo
e, de tudo que fez, disse o Senhor que era bom (Gênesis 1:11, 18, 21 e 24),
entretanto, depois de criar homem à sua imagem e semelhança, “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era
muito bom” (Gênesis 1:31 - ARA).
Deus criou o homem com perfeição
psicofísica, isto é, com orientação sexual e identidade de gênero perfeitos – “homem e mulher os criou” (Gênesis 1:27),
tendo lhes dado personalidades perfeitas, modeladas de acordo com a sua
própria, mentes com uma capacidade incrível de aprender, imaginar e dotada de
criatividade para transformar a natureza, bem como emoções com um forte senso
de identidade e autoestima segura, a fim de que eles pudessem ser fecundos e
sujeitar a natureza, conforme o mandamento do Senhor (perfeição mental,
emocional e organizacional).
Outra marca de perfeição que o Senhor
infundiu no homem foi a perfeição relacional. Homem e mulher tinham um
companheirismo perfeito entre si à imagem e semelhança do que ocorre com o
aspecto relacional de Deus dentro da Trindade, existindo entre eles uma plena
abertura para que pudessem se conhecer e ser conhecidos um pelo outro, sem que
houvesse qualquer mecanismo de defesa, culpa, vergonha, inibição ou qualquer
perda de afetividade ou vinculação que pudesse separá-los. Homem e mulher eram
perfeitamente unidos emocional, espiritual e sexualmente, de modo que eram uma
só carne e estavam nus e não se envergonhavam, não existindo qualquer tipo de barreira
entre eles, quer física, mental, espiritual ou emocional. No que tange ao
relacionamento com Deus, tinham perfeição espiritual, também sem qualquer
barreira, desfrutando da amizade e do amor paternal de Deus, falando o Senhor
audivelmente com eles no jardim do Éden (cf. SEAMANDS, David. O Poder Curador da Graça. São Paulo:
Vida, 2006, p. 49-50).
A voz que o homem ouve determina a sua
identidade e destino; isto é assim hoje e também foi assim no Éden. O homem e
mulher deram ouvidos a voz do Maligno e o pecado entrou no mundo, fazendo
separação de Deus e corrompendo e degenerando todas as perfeições que o Senhor
tinha concedido ao ser humano.
Por conta disso, o mundo jaz no Maligno e
em sua atuação infernal (1 João 5:19), de sorte que toda a criação, com o
pecado original, ficou sujeita à vaidade e ao cativeiro da corrupção (Romanos
8:20-21), tendo o homem ficado cego espiritualmente e incapaz de discernir as
coisas espirituais e sob o controle do “príncipe da potestade do ar” (Efésios
2:2) e, por isso, as Escrituras dizem que “a nossa luta não é contra o sangue e
a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste
mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Efésios
6:12). Toda a Terra e o homem ficaram contaminados pela iniquidade, de modo que
esta passa a ser a grande estrutura de produção e reprodução dos pensamentos e
dos comportamentos humanos.
Perdemos a perfeição física, pelo que somos
sujeitos a doenças, ferimentos, deformidades, degenerações e, por fim, a morte
física; perdemos a perfeição do relacionamento que tínhamos com Deus; perdemos
a nossa perfeição mental, emocional e relacional, de sorte que todos os seres
humanos na face da Terra têm relacionamentos partidos que necessitam ser
restaurados.
O pecado original de Adão e Eva é comumente
chamado de “queda”. De onde eles caíram? Relativamente à perfeição espiritual,
eles caíram de um relacionamento íntimo com Deus; caíram de uma vida centrada
no relacionamento com Deus para uma vida centrada no egoísmo, na satisfação de
seus próprios desejos; a humanidade caiu em desgraça em relação a Deus (neste
sentido, BAKER, Mark W. Jesus, o maior
psicólogo que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante, 2005, p. 51).
Trago à colação o que o Catecismo Maior de
Westminster, um dos mais importantes documentos da Reforma Protestante, comenta
a respeito da “queda”:
Em que consiste o pecado desse estado
em que o homem caiu?
O
pecado desse estado em que o homem caiu consiste na culpa do primeiro pecado de
Adão, na falta de retidão na qual este foi criado e na corrupção da sua
natureza pela qual se tornou inteiramente indisposto, incapaz e oposto a todo o
bem espiritual e inclinado a todo o mal, e isso continuamente: o que geralmente
se chama pecado original, do qual precedem todas as transgressões atuais (Rm
5:12, 19 e 5:6, e 3:10-12; Ef. 2:3; Rm 8:7-8; Gn 6:1; Tg 1:14-15; Mt. 15:19)
(pergunta 25 do Catecismo Maior).
Qual é a miséria que a queda trouxe
sobre o gênero humano?
A
queda trouxe sobre o gênero humano a perda da comunhão com Deus, o seu
desagrado e maldição; de modo que somos por natureza filhos da ira, escravos de
Satanás e justamente expostos a todas as punições, neste mundo e no vindouro
(Gn 3:8, 24; Ef 2:2-3; II Tm 2:26; Lc 11:21-22; Hb 2:14; Lm 3:39; Rm 6:23; Mt
25:41,46) (pergunta 27 do Catecismo Maior).
A Confissão Belga de 1561 também nos traz
importantes ensinamentos ao assunto em comento:
ARTIGO 15
O PECADO ORIGINAL
Cremos
que, pela desobediência de Adão, o pecado original se estendeu por todo o
gênero humano (l). Este pecado é uma depravação de toda a natureza humana (2) e
um mal hereditário, com que até as crianças no ventre de suas mães estão
contaminadas (3). É a raiz que produz no homem todo tipo de pecado. Por isso, é
tão repugnante e abominável diante de Deus que é suficiente para condenar o
gênero humano (4).
Nem
pelo batismo o pecado original é totalmente anulado ou destruído, porque o
pecado sempre jorra desta depravação como água corrente de uma fonte
contaminada (5). O pecado original, porém, não é atribuído aos filhos de Deus
para condená-los, mas é perdoado pela graça e misericórdia de Deus (6). Isto
não quer dizer que eles podem continuar descuidadamente numa vida pecaminosa.
Pelo contrário, os fiéis, conscientes desta depravação, devem aspirar a livrar-se
do corpo dominado pela morte (Rm 7:24).
Neste
ponto rejeitamos o erro do pelagianismo, que diz que o pecado é somente uma
questão de imitação [(1) Rm 5:12-14,19. (2) Rm 3:10. (3) Jó 14:4; Sl 51:5; Jo
3:6. (4) Ef 2:3. (5) Rm 7:18,19. (6) Ef 2:4,5].
Devido à “queda” no Éden, a natureza
humana, com a perda da perfeição espiritual, degenerou-se, sendo tomada pela
culpa e pela corrupção do pecado e, consequentemente, pela perda da perfeição
relacional e pela perda de todas as demais perfeições originais. A corrupção do
pecado introduziu no ser humano a raiz da rebelião contra Deus, do orgulho e do
egoísmo, da ira pecaminosa, da violência e da vingança, da disposição mental
inclinada para fazer o mal, da cegueira espiritual, bem como dos demais
sentimentos negativos e condutas autodestrutivas (veja-se, por exemplo, Isaías
59, Romanos 1 e 2). Além disso, quanto à dimensão da culpa oriunda do pecado,
homem e mulher herdaram a vergonha, os sentimentos de inferioridade e de
inadequação, a deslealdade, o medo, a desconfiança, a fuga e a transferência da
responsabilidade pelos erros e falhas, a inveja, a cobiça, a competição, o
ódio, o rancor, o ressentimento, a mentira, entre outras barreiras que
prejudicam os relacionamentos, o que nós transferimos e projetamos inclusive no
nosso relacionamento com Deus.
Esta é a realidade que se evidencia do
relato da “queda” contido em Gênesis 3. O homem e a mulher acreditaram nas
mentiras da serpente e comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do
mal, desobedecendo a proibição que Deus tinha estabelecido e, assim, seus olhos
foram abertos e conheceram que estavam nus, tendo passado a sentir a vergonha e
os sentimentos de inferioridade e de inadequação de tal condição, pelo que se
cobriram com folhas de figueira (v. 7) e tiveram medo e se esconderam quando o
Senhor veio visitá-los no jardim na viração do dia (v. 10).
O Senhor cobrou a responsabilidade
primeiramente de Adão, uma vez que o homem é o líder, cabeça do casal, tendo
ele respondido: “A mulher que me deste
por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (v. 12). Após cobrar a
responsabilidade de Adão, o Senhor perguntou a Eva o que ela tinha feito, tendo
ela respondido: “A serpente me enganou, e
eu comi” (v. 13). A mulher, semelhantemente a Adão, transferiu sua culpa a
outrem. Aqui começou a transferência de culpa e de responsabilidade: o homem
culpou a mulher por sua falha e, mais ainda, com alta probabilidade, culpou
Deus por ter dado aquela mulher para ele como esposa, isto é, ele insinuou que,
se Deus não tivesse dado aquela mulher, ele não teria caído em desobediência,
já que ele falou “a mulher que me deste
por esposa” (grifo nosso).
Verifica-se que o homem em nada mudou desde
o Éden para cá no que tange a sua essência corrompida; este mecanismo de defesa
de colocar a culpa em outras pessoas pelas falhas pessoais ao invés de
enfrentar o confronto e o desconforto das consequências de ter assumir a
responsabilidade e se sujeitar às penas da desobediência e da transgressão tem
sido uma distorção de caráter marcante na raça humana. Ocorrem as guerras, quem
é o culpado? Pessoas passam fome, outras morrem no trânsito pela imprudência de
motoristas bêbados, crianças e jovens são vítimas de abandono e de violência
física, sexual e/ou verbal, calamidades climáticas acontecem destruindo lares
de muitos, casais se divorciam e causam profundas mágoas entre si e
desestruturam emocionalmente sua prole, quem é o culpado por tudo isso? “Por
que Deus não impediu?”, dizem os homens ao invés de assumir a responsabilidade
pela maldade da raça humana. A vontade de Deus é boa, perfeita e agradável (Romanos
12:2) e, se estamos cercados pela morte, pelas tragédias, pelas violências,
assim o estamos em decorrência do livre arbítrio do homem e não por culpa de
Deus. A este respeito, veja-se o que diz a Segunda Confissão Helvética, outro
importante documento da Reforma Protestante, elaborado em 1562, em sua parte 8:
Deus não é o autor do pecado; e até
onde se pode dizer que ele endurece. Está claramente escrito:
“Tu não és Deus que se agrade com a iniquidade. Aborreces a todos que praticam
iniquidade. Tu destróis os que proferem mentira” (Salmo 5.4 ss). E de novo:
“Quando ele [o diabo] profere a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso e pai da mentira” (João 8.44). Além disso, há em nós suficiente
pecado e corrupção, não sendo necessário que Deus em nós infunda uma nova e
ainda maior depravação. Quando, portanto, se diz nas Escrituras que Deus
endurece, cega e entrega a uma disposição réproba de mente, deve-se entender
que Deus o faz mediante um justo juízo, como um Juiz Vingador e justo.
Finalmente, sempre que na Escritura se diz ou parece que Deus faz algo mal, não
se diz, por isso, que o homem não pratique o mal, mas que Deus o permite e não
o impede, segundo o seu justo juízo, que poderia impedi-lo se o quisesse, ou
porque ele transforma o mal do homem em bem, como fez no caso do pecado dos
irmãos de José, ou porque ele próprio controla os pecados, para que não
irrompam e grassem mais largamente do que convém. Santo Agostinho escreve em seu Enchiridion : “De modo admirável e inexplicável
não se faz além da sua vontade aquilo que contra a sua vontade faz. Pois não se
faria, se ele não o permitisse. E, no entanto, ele não o permite contra a
vontade, mas voluntariamente. O bom não permitiria que se fizesse o mal, a não
ser que, sendo onipotente, pudesse do mal fazer o bem”. É isso o que ele diz.
Deus não aceitou as desculpas do homem e da
mulher, de maneira que tiveram de responder diante de Deus por seus atos e
colher as consequências e o castigo em virtude da ofensa praticada (vv. 16-24)
e, de igual modo, cada um de nós comparecerá diante do Trono da Justiça do
Senhor para sermos julgados; a maldade do homem não ficará de modo algum
impune; não há nada que nos fará escapar da ira vindoura de Deus, a não ser que
sejamos lavados e remidos pelo sangue do Cordeiro, do Senhor Jesus Cristo,
sendo que a promessa do nosso salvador já se encontra aqui no episódio de
Gênesis 3, quando Deus decreta que “o descendente” da mulher feriria a cabeça
da serpente:
Então,
o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos
os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás
sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade
entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te
ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar (vv. 14-15 - ARA).
Note-se também que o Senhor não deixou a
conduta do diabo impune; desde aquele momento, Deus decretou a derrota de
satanás pelo Messias vindouro. Em Gênesis 3:14-15, encontra-se, portanto, o “protoevangelho”,
o Evangelho em embrião. E
aconteceu da forma como o Senhor determinou, o diabo tão somente feriu o
calcanhar do Senhor Jesus com suas tentações e perseguições, porque a morte do
Messias foi determinação de Deus como propiciação, como pagamento pelo pecado
do homem e não obra do diabo; foi Deus quem descarregou sua ira em razão do
pecado do homem e determinou a morte de Jesus como substituta da nossa morte,
tendo este plano da salvação sido elaborado pela Trindade desde antes da
fundação do mundo, conforme se depreende, por exemplo, de Apocalipse 13:8, em que Jesus é referido
como o “Cordeiro morto desde a fundação do mundo”, bem como de Efésios 1:4, em
que as Escrituras são claras em afirmar que Deus nos escolheu nele, antes da
fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele (ver também
2 Tessalonicenses 2:13, Romanos 8:29-30).
III)
A “queda” e a atuação da serpente: a operação da iniquidade da rejeição como
modelo de conquista do inferno, bem como a necessidade de restauração das
capacidades relacionais do homem como uma das essências do Evangelho do Reino
de Deus
Uma questão que deve ser ressaltada é a
grave consequência da maldição imposta sobre a serpente em Gênesis 3:14, conforme
se transcreve novamente: “Então, o SENHOR
Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os
animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o
teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida” (ARA). Ela foi condenada
a rastejar e a se alimentar de pó. E nós somos feitos de quê? Do pó da terra,
conforme se infere de Gênesis 2:17: “Então,
formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego
de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (ARA). Loucura? Heresia? Não,
a mais pura verdade. O diabo, por longas eras, tem se alimentado dos nossos
pecados, da nossa natureza corrupta e da nossa maldade para provocar a
destruição de tudo que tem fôlego de vida e reflete a criação de Deus,
inclusive a destruição da nossa autoimagem criada para refletir a imagem e
semelhança de Deus, a qual fica partida e estilhaçada pela operação do inimigo
no processo de construção dos padrões de comportamento da iniquidade.
Consultando o Dicionário Hebraico do Antigo Testamento de J. Strong,
verifica-se que a palavra hebraica para pó é ‘āphār,
que pode ser traduzida como poeira pulverizada ou cinzenta, como barro, terra,
lama, sendo a mesma palavra usada em Gênesis 2:17 para designar o material
usado para formar o primeiro homem (cf. Bíblia
de Estudo Palavras-Chave. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 1848, verbete 6083
do hebraico). Aliás, o diabo se alimentou tanto e ainda se alimenta de nós, que
engordou e cresceu, tendo passado por uma “metamorfose” que o transformou de
uma serpente para um grande e horrendo dragão, o que se encontra em Apocalipse
12:3-9:
Viu-se,
também, outro sinal no céu, e eis um dragão, grande, vermelho, com sete
cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas. A sua cauda arrastava a
terça parte das estrelas do céu, (...) E foi expulso o grande dragão, a
antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo,
sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos (ARA) (grifo nosso).
O poder de destruição do inimigo neste
mundo é tão forte que o texto acima transcrito fala que a cauda do dragão arrastava
a terça parte das estrelas do céu.
Você ainda acha que o pecado é pouca coisa?
A corrupção do pecado é um mal hereditário
que alcança toda a raça humana e é transmitida de geração em geração. Através
desta raiz da maldade, qual seja a iniquidade, o inimigo institui a perversão e
a destruição que vêm do reino das trevas, modelando as mentes dos homens com
todo o tipo de padrão de pensamento desviado da vontade de Deus (fortalezas
espirituais ou fortalezas de mente), bem como embrutecendo os corações em
patamares ainda mais elevados, não sendo à toa quando as Escrituras dizem que,
por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos (Mateus
24:12), isto é, quanto maior o nível de aprofundamento do homem nos padrões
distorcidos da iniquidade, menor é a medida de amor que ele tem.
Por meio da operação da iniquidade no ser
do homem, o inimigo tem construído seu poderio, de sorte que, conforme dito
acima, o mundo jaz no maligno e fica sujeito ao cativeiro da corrupção.
7
Com efeito, o mistério da iniquidade já opera e aguarda somente que seja
afastado aquele que agora o detém; 8 então, será, de fato, revelado o iníquo, a
quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela
manifestação de sua vinda. 9 Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia
de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, 10 e com todo
engano de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor da verdade
para serem salvos. 11 É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação
do erro, para darem crédito à mentira, 12 a fim de serem julgados todos quantos não
deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça
(2 Tessalonicenses 2 – ARA).
O ser humano ficou com um estado emocional
corrompido e uma mente reprovável, isto é, com uma estrutural espiritual,
mental e emocional adequada para receber o padrão de satanás e do inferno
através da operação da iniquidade por meio de manifestações de poder, sinais e
prodígios da mentira, de enganos de injustiça, inclusive os enganos relativos à
nossa identidade, operações de erro, entre outros meios, a fim de que as
pessoas não acolham o amor da verdade para serem salvas.
Qual é o padrão de conquista do diabo? A
negação do amor, isto é, a rejeição,
em oposição à essência de Deus, que é amor (cf. GUILLEN, Fernando. Se7e Montes. Belo Horizonte: Editora
Se7e Montes, 2009, p. 119). A rejeição é uma ferida na alma (mente e emoções),
uma raiz de iniquidade, que vem como consequência da negação do amor, uma vez
que atinge nossas necessidades fundamentais de aceitação e aprovação, as quais
devem ser preenchidas para que o ser humano goze de estabilidade e inteligência
emocionais, desenvolva-se e alcance todo o seu potencial. A rejeição causa
feridas no “eu” da pessoa, as quais transcendem a esfera da alma, alcançando a
mente e o coração, fazendo com que a pessoa se sinta indesejada, não querida,
não aceita, não aprovada pelas pessoas e, assim, causando uma série de
anormalidades emocionais e mentais na personalidade em decorrência da distorção
da autoimagem e autoestima negativa que a pessoa ferida em seus relacionamentos
passa a nutrir, tais como ódio, rancor, ressentimento, ira, orgulho ferido,
vitimização de si (autocomiseração), desconfiança, insegurança, inveja,
competição, complexos de inferioridade, depressão, perfeccionismo, dependência
emocional, doenças psicossomáticas.
Todos nós passamos, em algum momento de
nossas vidas, por experiências de negação do amor em maior ou menor escala,
recebendo feridas de rejeição, sendo as mais profundas aquelas que acontecem de
maneira intensa e traumática (ex: abuso sexual, psicológico, físico e/ou
religioso) no período da infância e adolescência (e até mesmo na vida
intrauterina, já que tudo aquilo que a mãe sente o feto também sente, sendo internalizada
memória dele todas as experiências de rejeição que a mãe tenha experimentado em
relação a ela ou ao feto – neste sentido, consultar SEAMANDS, David. 2 ed. A Cura das Memórias. São Paulo: Mundo
Cristão, 2007, p. 5-17), principalmente quando ocorrem no relacionamento com os
pais e familiares e/ou figuras de autoridade, uma vez que é neste tipo de
relacionamento que são formatadas na mente e no coração do homem os
referenciais de amor, aceitação, aprovação, identidade, segurança, autoridade;
se tais relacionamentos são prejudicados pela rejeição, a alma humana fica
ferida, apresentando as distorções emocionais e mentais citadas acima, as quais
serão transferidas e projetadas em todos os demais relacionamentos,
prejudicando a capacidade de se relacionar de forma sadia, inclusive em relação
a Deus, a quem não conseguimos ver com uma fonte de amor incondicional; também
acabamos por ferir as pessoas com as mesmas armas com as quais nos feriram
(neste sentido, GUILLEN, Fernando. O
Espírito de Rejeição. Belo Horizonte: Ministério Se7e Montes, s/d. 2 DVD).
O antídoto para as feridas da rejeição é o
perdão. O perdão é a porta de entrada do Reino de Deus; só temos a
possibilidade de ter relacionamento com Deus, porque Ele primeiramente nos
perdoa por intermédio do sacrifício de Cristo na cruz e, de semelhante modo,
devemos perdoar as ofensas cometidas contra nós. Jesus é a ponte criada para
que possamos atravessar o abismo criado entre nós e Deus em decorrência do
pecado. Jesus é a nossa reconciliação com Deus. Falar do Reino de Deus,
portanto, é falar de relacionamento e de restauração de relacionamento:
9
Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele
salvos da ira. 10 Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus
mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos
salvos pela sua vida; 11 e não apenas isto, mas também nos gloriamos em Deus
por nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de quem recebemos, agora, a
reconciliação (Romanos 5 - ARA).
Através do sacrifício de Jesus, não
somente se abriu a porta para a reconciliação com Deus, mas também recebemos do
Senhor a grande comissão para sermos embaixadores de Cristo e pregar, curar e
restaurar através da Palavra da reconciliação (2 Coríntios 5:18-20).
A essência do Evangelho é a restauração de
relacionamentos. Todos nós temos, em maior ou menor proporção, aspectos
relacionais que necessitam de cura e de restauração, porque não há ser humano
que não tenha experimentado perdas, frustrações, decepções e/ou traumas
decorrentes de seus relacionamentos e, na medida em que estes aspectos
relacionais vão sendo restaurados, sobretudo com a liberação do perdão, a
atribuição de um novo significado em relação às ofensas praticadas e o
desenvolvimento de novas atitudes de retidão de comportamento, de glória em
glória, a nossa mente vai sendo transformada dos antigos padrões da iniquidade
da rejeição e a nossa personalidade vai sendo restaurada e conformada à imagem
e semelhança do nosso Senhor Jesus (2 Coríntios 3:16-18).
[Continua na parte 2]
PABLO LUIZ R. FERREIRA
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com
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