A
“NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: A RESTAURAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS COMO PARTE
INTEGRANTE DA RENOVAÇÃO DA MENTE - PARTE 2
(...)
IV)
A “neuroespiritualidade” do “nós”: os modos de conhecer dos hemisférios
cerebrais esquerdo e direito e a sua relação com a restauração das capacidades
relacionais do homem, bem como uma apreciação crítica da absorção da
“mentalidade grega” pela igreja cristã ao longo de sua história
O pecado original trouxe separação;
Deus nos traz reconciliação. Não há, contudo, reconciliação sem arrependimento
e perdão. Todos nós precisamos de reconciliação e cura em três níveis de
relacionamento: no relacionamento com Deus, no relacionamento consigo mesmo e
no relacionamento com as pessoas. Todos os homens, neste mundo decaído e
sujeito ao cativeiro da corrupção, estão partidos e separados em seus
relacionamentos interiores e exteriores, de maneira que, no intuito de obter
inteireza emocional e mental e a oportunidade de se maturar como pessoas, nós
devemos reconhecer e profundamente nos arrepender das separações existentes em
nossas vidas (cf. PAYNE, Leanne. The
Healing Presence: Curing the soul
through union with Christ. Grand Rapids: Baker Books, 1995, p. 37).
Nossa reconciliação com Deus é
fundamental, contudo, não podemos parar neste ponto, já que a verdadeira
personalidade é enraizada em relacionamentos: primeiro com Deus e, por via de
consequência, com tudo o que Ele criou, incluindo aí a nossa família, amigos,
autoridades, vínculos de trabalho, enfim, o nosso semelhante; não basta ser
participante da natureza divina pelo novo nascimento (regeneração), mas é
preciso nos movermos através de relacionamentos sadios e de confiança para
vivermos as realidades mais profundas do Reino de Deus como o Corpo de Cristo,
notadamente a compaixão e o amor, que cobre multidões de pecados: “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns
para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados” (1 Pedro 4:8 -
ARA).
Jesus não só ensinou o caminho, a
verdade e a vida através de palavras e discursos, mas Ele se definiu como o
caminho, a verdade e a vida, pelo que se pode inferir que, quanto mais
conhecemos Jesus em um relacionamento de intimidade, maior será a profundidade
do entendimento espiritual que teremos acerca do que é o caminho, a verdade e a
vida. Cristo nos chama para conhecê-lo e desfrutar de um relacionamento de
confiança mútua, inclusive com nossos irmãos na fé, porque é este tipo de
relacionamento que nos proporciona a forma mais elevada de conhecimento, o
relacional, e transforma-nos como pessoas, curando os nossos aspectos
relacionais partidos, a exemplo do que o tão citado trecho de Tiago 5:15-16 nos
diz a respeito da confissão de pecados e da oração do justo:
15
E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver
cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. 16 Confessai, pois, os vossos pecados
uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados. Muito pode, por
sua eficácia, a súplica do justo.
Jesus, em seu ministério terreno, estava
sempre atraindo pecadores para dialogar e estabelecer relacionamento com Ele,
cativando os quebrados e desprezados deste mundo através da vida e da confiança
que Ele transmitia, fazendo-os enxergar as verdades mais profundas, inclusive a
respeito si mesmos, verdades estas que têm o poder de transformar, exortando-os
ao arrependimento para que pudessem restaurar o relacionamento com o Pai Eterno
e prosseguir nesse real e verdadeiro caminho da salvação pela graça de Deus
mediante a fé (de forma semelhante, mas aplicado ao relacionamento desenvolvido
na terapia psicológica, consultar BAKER, Mark W. Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante,
2005, p. 16-17).
Isso foi o que aconteceu, por
exemplo, com a mulher samaritana (João 3), uma pecadora machucada e
envergonhada pelos pecados sexuais, que já tinha procurado seu valor,
identidade e destino nutrindo relacionamentos sexuais com tantos homens, mas
ainda continuava seca e estilhaçada por dentro, relacionando-se impiamente com
um homem que não era seu marido, com um vazio na alma que só o relacionamento
direto com Jesus pôde preencher, trazendo-lhe o fim dos cativeiros e a
restauração de sua alegria.
Ninguém pode conhecer todas as
realidades da vida tão somente se utilizando do intelecto. Reduzir nosso
conhecimento ao nível do conhecimento intelectual é ser um homem de meio
cérebro, já que este tipo de conhecimento lógico, linguístico, linear, literal
é ligado ao hemisfério cerebral esquerdo. Há outras formas de conhecimento
ligadas ao hemisfério cerebral direito e que necessitam ser cultivadas e
desenvolvidas a fim de que possamos ser mais eficazes e sadios em nossas
habilidades relacionais, tais como a percepção de um mapa integrado do corpo (sentir dor e toque, além do reconhecimento
cerebral de que temos mãos, pés, cabeça, etc.), a orientação visuoespacial (o senso de três dimensões – onde os seres
humanos e os objetos estão no espaço em relação a um ao outro), a percepção do contexto social e emocional
(que nos ajuda a interagir de forma adequada com outros e nos ajuda a conduzir
o fluxo das conversas e outras interações levando em consideração as circunstâncias
que nos rodeiam), o senso holístico de
experiência (a captação e percepção da experiência com uma análise global e
um entendimento geral da mesma em todos os seus elementos sensoriais,
emocionais, etc.) e a comunicação não
verbal (a qual é responsável por 60 a 90 por cento de toda a comunicação humana,
tais como as formas de toque, as expressões faciais, os tons de voz, sinais,
etc.) (a este respeito, acerca das conexões entre as neurociências e a
espiritualidade cristã, consultar THOMPSON, Curt. Anatomy of the Soul: Surprising
connections between neuroscience and spiritual practices that can transform
your life and relationships. Tyndale Publishing House, 2010, p.
33-34).
Sem desprezar as formas de conhecimento do
hemisfério cerebral esquerdo, principalmente no que tange à aquisição das
doutrinas bíblicas, as quais são fundamentais como matéria-prima para a
renovação da mente, já que as mesmas nos mostram o padrão do caminho de retidão
capaz de destruir a atuação da iniquidade, devemos cultivar também as formas de
conhecimento relacionadas ao hemisfério cerebral direito, o que, como se disse,
é fundamental para a melhoria e maturação dos nossos aspectos relacionais,
porque, em tais formas, nós adquirirmos o patamar mais elevado e mais nobre de
conhecimento que se pode obter, o ser
conhecido, o qual nos tira do isolamento, quebrando as cadeias da vergonha,
do medo, da rejeição, da culpa, dos sentimentos negativos com a exposição dos
mesmos em um relacionamento maduro de confiança e empatia, diluindo, assim, a
dor, mudando, resolvendo, curando e/ou validando os sentimentos e expectativas
de vida, possibilitando-se, assim, o desenvolvimento do fruto do Espírito,
notadamente o amor, ou seja, a restauração das capacidades de amar e ser amado.
Isto, portanto, confirma sobremodo o valor
das disciplinas da confissão de pecados e da oração específica sobre os mesmos,
do discipulado individual, do aconselhamento, dos relacionamentos de ajuda de
uma forma geral, desenvolvidos por psicólogos cristãos e ministérios de ajuda
em uma área específica (família, sexualidade, finanças, etc.), tudo em
consonância com Tiago 5:16. Neste sentido, trago à colação as preciosas
palavras de Mark Laaser:
Cada
vez que compartilho minha dor com outros e eles podem compartilhar sua dor
comigo, conectamo-nos. Sempre que isto acontece, minha dor se mitiga. Minha
vergonha e minhas feridas me oferecem a oportunidade de compreender a dor de
muita gente. Isto foi o que fez Cristo: veio a Terra e compartilhou nossa dor.
Jesus conheceu a dúvida, a angústia, a traição, a dor e o abandono. Conforme
compreendo que Deus, em Cristo, compartilha minha dor, cada vez minha carga se
alivia e se faz mais fácil levá-la (LAASER, Mark R. Cómo sanar las heridas de la adicción sexual. Miami: Vida, 2005, p.
163, tradução minha do espanhol).
Muitas congregações religiosas resumem-se a
um culto de ensino de doutrina (ou mesmo de mensagens superficiais) para a
generalidade das pessoas, em que tudo é centralizado nas mãos de um pastor
sobrecarregado. Tal metodologia é falha e precária, justamente pela falta de
vínculos sadios de relacionamento entre os membros da congregação, bem como
pela carência de relacionamentos de ajuda, isto porque a restauração das
capacidades de amar e ser amado não se trata tão somente de aquisição de
conhecimento lógico-doutrinário, mas, sobretudo, da estruturação de vínculos de
amor, afeto, confiança e empatia que possibilitem que as pessoas possam dar-se a conhecer e, no meio deste
processo, chegar a uma auto percepção das verdades mais profundas acerca de si
mesmas dentro de seu histórico de vida, a fim de viabilizar o processo de
mudança e restauração de referenciais de relacionamento que porventura tenham
sido partidos em relacionamentos não sadios, disfuncionais ocorridos anteriormente.
Neste particular, importante considerar os ensinamentos da psicóloga cristã
Esly Regina Carvalho:
A
falta de saúde no coração é um dos maiores obstáculos para o crescimento
espiritual e santidade do cristão. (...). Informação não é suficiente.
Se fosse, os sermões já teriam curado todo o nosso povo, porque excelentes
informações são compartilhadas em muitas pregações. Mas a informação
intelectual muda muito pouco a conduta. Não toca a parte necessária do nosso
cérebro responsável pela mudança de comportamento. E pouco toca nosso coração.
Por isso sabemos de excelentes pregações e também de cristãos que continuam
lutando com seus problemas emocionais. (...) Tiago 5.16 nos diz que devemos confessar
nossos pecados uns aos outros e orar uns pelos outros para sermos curados. Essa
é uma das receitas mais preciosas que temos para a saúde do coração. (...).
Uma pessoa que tem uma ferida no seu coração não é capaz de ser santa nessa
área de sua vida. A dor da ferida a impede. Mas, se ajudarmos a curar essa ferida,
derramando o amor incondicional de Deus nesse lugar, por meio da nossa
aceitação incondicional, pouco a pouco veremos essa pessoa se tornar cada vez
mais santa, mais parecida com Jesus (Saúde
emocional e vida cristã. Viçosa: Ultimato, 2002, p. 12-13, grifos nossos).
O mundo jaz no maligno e, assim sendo, toda
a forma de aquisição de conhecimento está sujeita ao cativeiro da vaidade do
individualismo, de modo que os homens vêm adquirindo conhecimento ao longo das
épocas para se justificar e mostrar que estão com a razão, a fim de não
glorificar Deus como o Senhor soberano sobre tudo e todos, nem lhe dar graças,
dando ênfase nas coisas criadas, adorando-as e, por conseguinte, excluindo o
Criador da base da formação da ciência (Romanos 1:19-25), sob o argumento de
que Ele não é “empiricamente verificável” à luz das metodologias da indução, da
dedução, enfim, da experimentação necessária para provar as hipóteses da
“verdade válida” apta a demonstrar uma relação de causa e efeito; isto é o que
o apóstolo Paulo chama, em Romanos 1:18, de “deter a verdade em injustiça”,
isto é, os homens detém a verdade a sua própria maneira, tentando usurpá-la da
propriedade do Senhor Jeová, que é o seu único e verdadeiro autor intelectual,
“mudando a verdade de Deus em mentira” (Romanos 1:25), tudo com a finalidade de
sustentar, justificar e validar a impiedade e perversidade humanas. Fizeram
isto com tanta intensidade que “se
tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração
insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (Romanos 1:11-12 -
ARA).
Esse modelo reducionista de obtenção da
“verdade válida” apenas se utilizando das faculdades do intelecto, o que
atualmente se sabe estar ligada a atividade do hemisfério cerebral esquerdo é
uma herança da mentalidade grega, especialmente de Aristóteles; ele confinava o
modo do homem receber o conhecimento aos dados obtidos através de sua
experiência dos sentidos e da razão; dentro desta perspectiva, o homem entra em
contato com o real sintetizando a experiência por meio da razão. Aristóteles
desenvolveu uma epistemologia (teoria do conhecimento) que valorizou, assim, as
formas de conhecimento ligadas ao que tem sido denominado de mente consciente,
desprezando e rechaçando o pensamento de Platão, que também incluía como
conhecimento válido os modos de conhecer da inspiração divina, do poeta e do
profeta, do sonho e da visão e, o mais importante, os modos de conhecer do
amor, que, como se sabe, é atributo essencial do nosso Deus (1 João 4:8). Estes
são os caminhos do que comumente se denomina de mente inconsciente: a figura, a
metáfora, o símbolo, o mito e, com o amor, o caminho da encarnação de Cristo
neste mundo, o qual uniu aquilo que antes era considerado como “mito” (ou como
profecia) com a realidade do fato. Se a corrente de Platão tivesse sido
vitoriosa com a manutenção das citadas formas de conhecimento, não teríamos o
termo contraditório “mente inconsciente” no vocabulário atual, já que, em
verdade, não se trata de inconsciente, mas de diversas formas de consciência, o
que hoje, com o avanço das neurociências, sabe-se estar ligada principalmente a
atividade do hemisfério cerebral direito (cf. PAYNE, Leanne. Imagens Partidas: Restaurando a integridade
pessoal por meio da oração. São Paulo: SEPAL, 2000, p. 192).
A epistemologia, isto é, a teoria do
conhecimento, estabeleceu o que considera como aceitável em termos de estudo da
origem, da estrutura, dos métodos e da validade do conhecimento; ela é uma das
principais áreas da filosofia e compreende a possibilidade do conhecimento, ou
seja, se é possível o ser humano alcançar o conhecimento total e genuíno, tratando
da origem do conhecimento.
A teologia cristã desenvolveu ao longo dos
tempos a sua epistemologia, estabelecendo o que considera como válido em termos
de possibilidade do conhecimento; e o pensamento cristão acabou por se
entranhar deste “espírito da Grécia”, aceitando as pressuposições do pensamento
Aristotélico e incorporando-as a sua teologia, especialmente através de São
Tomás de Aquino, o qual atrelou umbilicalmente a fé e a razão, de modo que a
compreensão judaico-cristã a respeito do coração profundo (a chamada mente inconsciente
e seu modo de conhecer) simplesmente sumiu de vista, até mesmo porque não havia
categorias cognitivas pelas quais reconhecê-lo (neste sentido, PAYNE, Leanne. Real Presence: The glory of Christ with us
and within us. Grand Rapids: Baker Books, 1995, p. 131-132).
Em decorrência da adoção da corrente de
Aristóteles (e também de São Tomás de Aquino na teologia), cristãos e não
cristãos passaram, de igual modo, a valorizar exclusivamente o intelecto, os
modos de conhecer da mente consciente, do hemisfério cerebral esquerdo, como
formas de conhecer superiores, em detrimento da intuição, da chamada mente
inconsciente, das formas de conhecer do hemisfério cerebral direito, o que, sem
dúvida, tem sido um obstáculo para que o pensamento cristão entenda a
imaginação criativa, bem como suprimiu em grande escala a compreensão da obra
do Espírito Santo no homem (neste sentido, PAYNE, Imagens Partidas, p. 193 e PAYNE, Real Presence, p. 132).
Entretanto, Deus não criou um homem de meio
cérebro, mas um homem com uma mente integrada para desempenhar todo o seu
potencial, dominando e intervindo sobre a natureza; o homem é um ser relacional
e, tanto é assim, que se desenvolve extraindo as formas de saber da experiência
com outros, notadamente a partir da família e de seus primeiros cuidadores, de
seus referenciais de autoridade, o que não é uma questão ligada tão somente à
aquisição de conhecimento lógico, mas também tem haver profundamente com as
formas de saber ligadas ao hemisfério cerebral direito, na conformidade do
descrito acima.
Essa falha no entendimento das formas
peculiares de saber ligadas ao que se chama de mente inconsciente ou das
funções do hemisfério cerebral direito, conforme atualmente nos apresentam as
neurociências, tem trazido sérios problemas, uma vez que é a faculdade
intuitiva (e não o raciocínio) que é a sede da imaginação criativa, da memória
e dos dons do Espírito Santo (cf. PAYNE, Imagens
Partidas, p. 192 e PAYNE, Real
Presence, p. 131); até mesmo porque os dons do Espírito Santo não são dons
que atuam tão somente num plano lógico, linear, literal e linguístico, mas,
sobretudo, são capacitações do Espírito para a edificação do outro, do Corpo de
Cristo como um todo, o que certamente pressupõe o nível relacional e, por via
de consequência, as formas de saber ligadas ao hemisfério cerebral direito.
Essa herança grega, que reduz a
possibilidade do conhecimento aos modos de conhecer do intelecto, da razão e do
conhecimento empírico, as quais são lógicas, lineares, literais e linguísticas
e, portanto, ligadas a atividade do hemisfério cerebral esquerdo, tem dominado
a nossa maneira cultural de pensar pelos últimos quatrocentos anos, sendo que,
a título de exemplo, a maior parte dos sistemas educacionais se baseia no
conceito de que você pode aprender através da retenção de informações sem a
necessidade de aplicação prática, o que, em grande parte, tem gerado alunos
recém-formados nas universidades que não sabem fazer nada quando começam a
trabalhar e precisam aprender o como fazer no próprio emprego (cf. THOMPSON,
Curt, Anatomy of the Soul, p. 8; COPE, Landa. Template Social do Antigo Testamento:
Redescobrindo princípios de Deus para discipular as nações. 3 ed. Almirante
Tamandaré: Editora Jocum Brasil: 2011, p. 130).
A forma mental de processamento do
hemisfério cerebral esquerdo desconsidera os elementos emocionais de confiança
inerentes ao hemisfério cerebral direito, que são necessários para a vida em desenvolvimento. Quando
eu sei que eu sei alguma coisa porque eu posso logicamente prová-la (forma de
processamento mental do hemisfério cerebral esquerdo), eu me afasto da
confiança (forma de processamento mental do hemisfério cerebral direito);
quando eu não mais confio, eu não mais fico aberto a ser conhecido, relacionar-me
e amar o outro, acabando por me fechar dentro de uma concha, de um muro de
proteção que prejudica a minha capacidade de se relacionar de forma sadia (cf.
THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 8-9).
Neste mundo dominado pela herança grega,
conhecimento é basicamente entendido como informação factual a respeito do
objeto a ser conhecido e explicado; é uma atividade que envolve uma pessoa
(sujeito primário) pensando, sentindo e agindo enquanto separado da ideia,
objeto ou pessoa em direção as quais os seus pensamentos, sentimentos ou ações
são direcionadas.
Tal forma de conhecer, ligada à atividade
mental do hemisfério cerebral esquerdo, é tão valorizada neste mundo que, como
regra geral, as profissões mais bem remuneradas são aquelas a predominância
deste tipo de pensamento, tais como as do ramo do Direito, engenharia,
medicina, em detrimento de outras profissões como a dos artistas plásticos,
músicos e escritores literários, o que logicamente comporta exceções (cf.
ENLOW, Johnny. A Profecia das Sete
Montanhas: Desvendando a próxima revolução de Elias. São José dos Campos:
Shofar, 2008, p. 122).
A dominância cerebral esquerda alcança inclusive
os seminários teológicos e até mesmo congregações inteiras, os quais acabam
reduzindo o conhecimento do cristianismo às categorias da lógica, gerando,
assim, uma leitura fria e humanista da Bíblia por privilegiar o racionalismo em
detrimento do conhecimento gerado pelo relacionamento com Deus, sendo este
último a essência do cristianismo e, por via de consequência, formando pastores
e obreiros que, apesar de terem um alto conhecimento técnico, teórico,
histórico e interpretativo da Palavra de Deus, são altamente tóxicos e nocivos
para as congregações pela ausência do fruto do Espírito Santo em suas vidas.
Infelizmente, nossos seminários teológicos
têm produzido líderes e obreiros altamente intelectualizados, mas que, em
grande parte, nunca prestaram e nem prestam contas de sua vida e de seu
ministério para ninguém; líderes e obreiros que nunca se submeteram a um
discipulado individual sério e, assim, passam a vida toda com a podridão de
caráter intacta, com a iniquidade não tratada, porque nunca souberam na prática
o que é o poder transformador da humilhação e da exposição da vergonha dentro
de um relacionamento de amor e confiança para serem curados e moldados. Esta
falta de prestação de contas é um sério indício de que a liderança de uma
igreja está enferma pela iniquidade e necessita de restauração, podendo
inclusive conter falsos mestres e profetas, a exemplo do que a epistola de
Judas denuncia, especialmente o versículo 12 que os chama de “pastores que a si
mesmo se apascentam”, contaminados por toda sorte de paixões da carne, tais
como soberba, sensualidade, libertinagem, ganância, etc.
Os líderes com a iniquidade intacta, bem
como os membros de uma congregação com o caráter não tratado acabam usando o
conhecimento que adquiriram, além da posição, prestígio ou status que ocupam para proveito próprio, para realização pessoal
e/ou para autoafirmação, passando a cultivar um profundo senso de orgulho,
justiça própria e menosprezo do outro que sabe menos, que tem menos posses ou status, recebendo do inferno a
paternidade de Leviatã, que vê tudo aquilo que alto e é o rei dos filhos da
soberba (Jó 41:1-34, versão Almeida Corrigida Fiel – ACF). Isto também é “deter
a verdade em injustiça” (Romanos 1:18), já que a aquisição e o uso do
conhecimento das Escrituras serve tão somente de combustível para a soberba e
não para glorificar a Deus e ajudar as pessoas, o que, na raiz do problema,
muitas vezes é resultado de feridas na alma provocadas pela iniquidade da
rejeição e, por via de consequência, o conhecimento transforma-se em uma
máscara perfeccionista usada pela pessoa para esconder, reparar ou compensar um
profundo senso de inadequação, vergonha e inferioridade oriundo de
relacionamentos partidos, que a pessoa sente por não ter sido nutrida
saudavelmente relativamente aos desejos básicos que o coração do homem anseia
para se tornar pleno e realizado em sua maturidade emocional.
Analise seu coração, até que ponto nós não
olhamos só o que é alto segundo as coisas deste mundo? Até que ponto nós queremos
ser cabeça e não cauda para ostentar a glória falida e morta deste mundo:
dinheiro, riqueza, fama, posição social, etc.? Até que ponto nós desenvolvemos
um profundo senso de orgulho, justiça própria e menosprezo do outro e usamos o
nosso conhecimento, posição ou status
como fonte de autoafirmação por causa das feridas da rejeição? Até que ponto nós
não recebemos a paternidade de Leviatã em nossas vidas?
Conhecimento lógico e factual por si só não
é ruim; é bom quando se trata de coisas, mas não quando se cogita de pessoas,
uma vez que, embora traga poder e influência, não garante o desenvolvimento do
fruto do Espírito (Gálatas 5:22-23), isto é, amor, alegria, paz, longanimidade,
benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio, em virtude de que
tais qualidades são comportamentais, interpessoais e, portanto, ligadas a
atividade do hemisfério cerebral direito, podendo apenas ser produzidas em
relacionamentos marcados pelo amor, afeto, confiança, empatia e exercício
adequado da direção de autoridade, os quais são os únicos tipos de relacionamento
que podem suprir as sete necessidades fundamentais do homem dadas por Deus, que
são básicos e universais, quais sejam o desejo de ser ouvido e ser entendido,
de ser afirmado, de ser abençoado, de estar seguro, de ser tocado, de ser
escolhido, e de ser incluído e é no preenchimento e na satisfação destas
necessidades que o ser humano valida sua própria existência e pode desfrutar
relacionamentos profundos e ricos com Deus e com as pessoas, já que tais
desejos espelham referencialmente a essência do que deve ser o nosso
relacionamento com Deus; é por esta razão que se diz que a informação
intelectual muda muito pouco a conduta e pouco transforma o nosso coração,
justamente por não tocar a parte necessária do nosso cérebro responsável pela
mudança de comportamento, que é, repita-se, o hemisfério cerebral direito (neste
sentido, consultar LAASER, Mark; LAASER, Debra. Los Siete Deseos de Todo Corazón. Miami: Editorial Vida, 2009, p.
13).
Em razão da conjuntura descrita acima, dignas
de louvor são as palavras que a Bíblia nos traz em 1 Coríntios 8:1-3: “(...) A ciência incha, mas o amor edifica. Se
alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber. Mas, se alguém
ama a Deus, esse é conhecido dele” (ACF). Da inteligência desta porção das
Escrituras, percebe-se que o conhecimento linear e lógico somente nos incha de
informações e nos dá a convicção de que estamos com a razão a respeito das
coisas e das pessoas, mas não melhora as nossas capacidades relacionais com o
próximo, nem com Deus, e acabamos por descobrir, em dado momento de nossas
vidas, que as nossas convicções teóricas e teológicas não combinam com a nossa
experiência intuitiva e que as mesmas não passam de informação que parece não
ajudar decisivamente a resolver nossos conflitos mentais internos, familiares,
no trabalho, com amigos e em outros relacionamentos, embora saibamos que tais
convicções sejam verdadeiras, o que, por certo, traz-nos muita culpa por tantas
vezes termos falhado em nos comportar de acordo com os padrões de Deus. Sabemos
a verdade, mas não conseguimos muitas vezes nos ajustar com ela e praticá-la,
pelo que acabamos por sofrer de um ciclo interminável de culpa e vergonha pelos
vários tropeços que cometemos.
O amor, pelo contrário, edifica porque é a
essência do próprio Deus e toca a parte cerebral responsável pela mudança do comportamento,
o hemisfério cerebral direito; amar é uma questão relacional, isto é, trata-se
do nosso vínculo com o outro à imagem e semelhança do relacionamento que Deus
quer que tenhamos com Ele, conforme se depreende da leitura de 1 Coríntios 13
e, por isso, é chamado de caminho sobremodo excelente: é estabelecer vínculos
não para girar em torno de si por meio de satisfações egoístas, mas para se
abrir para a possibilidade e realidade de incluir o outro; amar é também estabelecer
vínculos relacionais e emocionais sadios com o outro, marcados pelo afeto e
pela confiança, capazes de suprir e validar adequadamente os sete desejos
fundamentais do coração citados acima, de sorte que o homem possa alcançar a
maturidade emocional e espiritual e, assim, caminhar dentro do propósito que o
Senhor designou.
Conhecimento lógico, linear, literal e
linguístico é importante; veja-se, por exemplo, que muitas descobertas científicas
têm melhorado a qualidade de vida do ser humano. Necessitamos adquirir este
tipo de conhecimento para viver no mundo de forma adequada e eficiente para uma
série de coisas, tais como aprender a ler, escrever, fazer contas, usar um
computador, saber informações sobre doenças e sua cura, como se produz energia,
como se pode cultivar a terra, enfim, tudo aquilo que habitualmente conhecemos
como ciência e tecnologia.
O
problema ocorre quando nós valorizamos e premiamos mais o “conhecer coisas”, ou
seja, quando valorizamos mais saber a respeito de fatos, saber a “verdade” de
como as coisas funcionam e, por fim, de saber que estamos “certos”, que estamos
com a razão ao nosso favor. Isto é tão patente nos dias de hoje que o padrão
pelo qual julgamos a dignidade e o valor de uma ideia, de modo a considerá-la
“válida” e “confiável”, é dado quase que tão somente pelo fato da pesquisa que
a produziu ter sido conduzida por especialistas no assunto.
Tal realidade transplantou-se inclusive
para as questões de fé, em que apenas se valoriza pessoas que têm conhecimento
técnico e teológico para dizer o que é “a verdade” e, com este pretexto, a
igreja católica retirou a Bíblia das pessoas comuns durante a Idade Média,
trancafiando-as nas mãos do clero; depois, veio a Reforma Protestante e a
Bíblia foi traduzida para as línguas nacionais do povo, contudo, a partir daí,
houve um verdadeiro “monopólio da interpretação”, isto é, a Bíblia está nas
mãos do povo em uma linguagem que se pode entender, mas só quem tem a
autoridade de dizer a forma “certa” e “válida” de interpretá-la é quem tem
conhecimento técnico e teológico para tanto, de modo que mais uma vez o
monopólio da verdade está nas mãos do alto clero. Dentro desta ótica, a
autoridade espiritual e a autoridade da verdade espiritual acabam sendo
sinônimos de conhecimento técnico-teológico.
Entretanto, outra é a realidade das
Escrituras, em que a verdadeira autoridade espiritual é dada pelo Espírito
Santo para homens que o Senhor separou para si e transformou o caráter para
cumprir os seus propósitos eternos; foi assim com Abraão, Jacó, Moisés, Josué, Calebe,
Samuel, Davi, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, os apóstolos, Estêvão e
tantos outros.
A verdadeira autoridade espiritual não é sinônima
de conhecimento lógico de teologia; certamente, o líder, o obreiro e todo
crente deve ser bastante instruído na Palavra, até mesmo para não ensinar
errado e não cair nas heresias e, para tanto, o Senhor levantou e separou
alguns para o ministério de mestre. A verdadeira autoridade espiritual
pressupõe também o conhecimento da Palavra, mas decorre, sobretudo, da intimidade
com Deus e da sabedoria que é dada pelo Espírito Santo, a qual se baseia no
temor do Senhor, no fruto do Espírito, nos qualificativos morais, na maturidade
e experiência espirituais e de vida, no bom testemunho, conforme se infere, por
exemplo, de 1 Timóteo 3:1-13.
A genuína autoridade espiritual é para os
humildes e quebrantados de coração que se esvaziam e confessam que são
miseráveis diante de Deus por causa das mazelas do pecado e olham para Cristo,
dando graças a Ele, a tal ponto de reconhecer que a graça do Senhor lhes basta,
porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza, gloriando-se nas fraquezas, para que
sobre eles repouse o poder de Cristo (Romanos 7:24, 1 Coríntios 12:9).
Como dizem as Escrituras, “se alguém cuida
saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber”, uma vez que o conhecimento
lógico e linear, como afirmado acima, não preenche as necessidades relacionais
e afetivas ligadas à atividade mental do hemisfério cerebral direito, já que tal
tipo de conhecimento serve tão somente para nos dar a sensação de que temos a
razão a respeito de algo. Todo o conhecimento produzido neste mundo tem gerado
a dominância das formas de conhecer do hemisfério cerebral esquerdo e, assim,
transformou-se em uma fortaleza espiritual que reforça a nossa condição
pecaminosa de “deter a verdade em injustiça” (Romanos 1:18), isto é, repise-se,
de uma maneira que nos assegure que estamos certos, de sorte que falhamos em
perceber que esta necessidade de estar certo, de ser racionalmente ordenado e
correto afasta-nos da experiência de ser conhecido, de amar e ser amado,
prendendo-nos no casulo do egoísmo e do isolamento e, por via de consequência,
desconectando-nos do outro e da verdadeira essência de conhecer o Senhor e de
ser conhecido por Ele. Por isso, é que as Escrituras dizem que “se alguém ama a
Deus, esse é conhecido dele”, porque estabeleceu vínculo de apego com o Senhor em
um relacionamento, conhecendo-o de acordo com as formas de conhecimento ligadas
a atividade do hemisfério cerebral direito e, por conseguinte, tendo os sete
desejos fundamentais do coração descritos acima satisfeitos, validando e
edificando, assim, a sua identidade em Deus em amor (cf. THOMPSON, Curt, Anatomy of the Soul, p. 11-18).
Dentro da ordem de ideias até aqui
expostas, pode-se utilizar do neologismo “neuroespiritualidade”
do “nós” para asseverar a realidade de que a experiência do homem com Deus e,
por via de consequência, com o nosso semelhante, dá-se em todas as dimensões em
que o homem é composto, isto é, corpo, alma e espírito, os quais não são isolados
em compartimentos, mas conectados entre si, de modo que o que ocorre em uma
dimensão repercute sobre a outra, tal como a demonstrada conexão existente
entre as formas de conhecer dos hemisférios cerebrais e suas repercussões sobre
as emoções, a maneira como nos relacionamos, os desejos fundamentais do coração
do homem, bem como a forma como se vive a espiritualidade.
A nossa experiência de relacionamento com
Deus se desenvolve na dimensão do espírito, porque aquele que se une com o
Senhor forma um só espírito com Ele (1 Coríntios 6:17); na dimensão da alma,
isto é, na mente e emoções e, tanto é assim, que as Escrituras dão ênfase na
renovação da mente para que não nos mantenhamos presos aos padrões deste mundo
corrompido (Romanos 12:2), no despojar-se do velho homem e do revestir-se do
novo homem através da renovação do entendimento (Efésios 4:21-24),
exortando-nos que levemos todo pensamento cativo à obediência de Cristo (2 Coríntios
10:5); bem como na dimensão corpo, já que, nos termos de 1 Coríntios 6:19, o
“corpo” é santuário do Espírito Santo, notadamente o sistema nervoso e,
especialmente, o cérebro, o qual é o suporte físico, o hardware da alma e do espírito.
[Continua na parte 3]
PABLO LUIZ RODRIGUES FERREIRA
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com