sábado, 29 de junho de 2013

O ASPECTO RELACIONAL DE SER CRIADO À IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS - A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS” - PARTE 1

Esta é uma nova série de textos em que se abordará o significado do aspecto relacional de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus e da importância da restauração dos relacionamentos como parte integrante do Evangelho, trazendo à colação as contribuições que as neurociências nos trazem em prol da restauração emocional e a renovação da mente, bem como a sua conexão com as práticas espirituais.

Se vocês ainda acham que o pecado é pouca coisas, leiam este texto.

Espero que vocês sejam profundamente edificados pelo Espírito Santo.

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A “NEUROESPIRITUALIDADE” DO “NÓS”: A RESTAURAÇÃO DOS RELACIONAMENTOS COMO PARTE INTEGRANTE DA RENOVAÇÃO DA MENTE - PARTE 1





I) O aspecto relacional de ser criado à imagem e semelhança de Deus

Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea (Gênesis 2:18).

A Bíblia Sagrada é enfática ao dizer que fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26-27), de modo que, a cada dia, conhecendo a estrutura do ser humano à luz de ciências como a medicina, a biologia, a psicologia, as neurociências, pode-se ver a sua enorme complexidade biológica e relacional e, como o salmista Davi, dizer: “Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem” (Salmo 139:14 – Bíblia versão Almeida Revista e Atualizada - ARA).
A criação manifesta os atributos invisíveis de Deus, seu poder e sua glória (Romanos 1:20), pelo que, a medida em que nos deslumbramos com o conhecimento das coisas criadas, inclusive da estrutura do ser humano, devemos render glória ao Senhor e exaltá-lo pela profundidade de seu pensamento, por sua multiforme criatividade, pela grandeza de seu poder, pela manifestação da sua glória, pelo seu eterno amor por nos ter criado para que tivéssemos relacionamento com Ele.
Ser imagem e semelhança de Deus vai muito além de ter uma mente inteligente, uma personalidade, emoções, mas também significa que herdamos dEle a capacidade de se relacionar com o outro. Alguém só pode dar aquilo que tem para outra pessoa e, com Deus, isso não é diferente; só temos a capacidade de nos relacionar, porque esta é uma capacidade que o próprio Deus tem por essência, independentemente das coisas criadas.
Deus é completo, autossuficiente, imutável, não necessitando das coisas criadas para, de algum modo, aperfeiçoar-se. Deus é perfeito, completo e autossuficiente, inclusive em seu aspecto relacional: Deus é um e é três em um; Deus é Pai, Filho e Espírito Santo; o Deus trino, a Santíssima Trindade, uma estrutura de personalidade existencial que mente humana alguma pode sondar e perscrutar.
Dentro da Trindade há relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A título de exemplo, o Evangelho de João é rico em demonstrar um amor peculiar entre Deus Pai e Deus Filho, tal como em João 3:35, 5:20, 14:31, mostrando que esse vínculo de filiação de Jesus não começou quando nosso salvador veio a Terra cumprir o plano da redenção, mas desde a eternidade (João 17:5), mostrando que Jesus tem uma experiência compartilhada de relacionamento desde antes da fundação do mundo, na eternidade passada; desde a eternidade, Deus Filho tem relacionamento de amor, obediência e intimidade com Deus Pai, intimidade esta que é tão profunda a ponto de Deus Pai, por amor ao seu filho unigênito, mostrar-lhe tudo o que faz, sendo que Jesus faz tudo o que o Pai faz por ser sua exata expressão (Hebreus 1:3), fazendo apenas o que vê seu Pai fazer (João 5:19-20) e chegando a dizer: “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (João 4:34 - ARA) (cf. CARSON, Donald A. A Difícil Doutrina do Amor de Deus. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p. 17, 36-37, 41). O Espírito Santo, sendo Deus, também goza da mesma intimidade e amor que Jesus dentro da Trindade, ao ponto das Escrituras afirmarem de forma categórica que o Espírito conhece as profundezas de Deus (1 Coríntios 2:10).           
            Existe em Deus, desde antes da fundação do mundo, a esfera do relacionamento, o que permitiu a Ele criar o homem de tal forma que ele se organizasse em várias instâncias de pluralidade, tais como em forma de casal em uma união em que homem e mulher formam uma só carne, assim como Deus é três em um; de família, de filiação e adoção, de estabelecimento de gerações; de amizade, afeto e companheirismo; na forma de instituições, governo, Estado, tribos, sociedade, bem como na forma de reunião dos santos no corpo de Cristo como a igreja do Senhor.
            Assim está escrito em Gênesis 1:26a: “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (ARA). O homem foi criado pela Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo conjuntamente o fizeram, conforme se depreende do citado versículo, em que as Escrituras se utilizam do verbo fazer no plural, o que denota uma atividade conjunta, tendo Deus, por conseguinte, transferido ao homem esta capacidade relacional. 

II) As perfeições originais do Éden e os efeitos da “Queda”: a questão do pecado original e o do mal no mundo

A criação de Deus foi dotada do estado de perfeição. Tudo Deus criou perfeito, como perfeito Ele é. O universo foi criado perfeito, regido por leis naturais perfeitas (perfeição universal); Deus criou o mundo com ecossistemas de animais, plantas, minerais, com um equilíbrio perfeito entre eles (perfeição ecológica). Estabeleceu o homem e a mulher perfeitos, feitos à sua perfeita imagem; Deus criou todo o universo e o mundo e, de tudo que fez, disse o Senhor que era bom (Gênesis 1:11, 18, 21 e 24), entretanto, depois de criar homem à sua imagem e semelhança, “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31 - ARA).
Deus criou o homem com perfeição psicofísica, isto é, com orientação sexual e identidade de gênero perfeitos – “homem e mulher os criou” (Gênesis 1:27), tendo lhes dado personalidades perfeitas, modeladas de acordo com a sua própria, mentes com uma capacidade incrível de aprender, imaginar e dotada de criatividade para transformar a natureza, bem como emoções com um forte senso de identidade e autoestima segura, a fim de que eles pudessem ser fecundos e sujeitar a natureza, conforme o mandamento do Senhor (perfeição mental, emocional e organizacional).
Outra marca de perfeição que o Senhor infundiu no homem foi a perfeição relacional. Homem e mulher tinham um companheirismo perfeito entre si à imagem e semelhança do que ocorre com o aspecto relacional de Deus dentro da Trindade, existindo entre eles uma plena abertura para que pudessem se conhecer e ser conhecidos um pelo outro, sem que houvesse qualquer mecanismo de defesa, culpa, vergonha, inibição ou qualquer perda de afetividade ou vinculação que pudesse separá-los. Homem e mulher eram perfeitamente unidos emocional, espiritual e sexualmente, de modo que eram uma só carne e estavam nus e não se envergonhavam, não existindo qualquer tipo de barreira entre eles, quer física, mental, espiritual ou emocional. No que tange ao relacionamento com Deus, tinham perfeição espiritual, também sem qualquer barreira, desfrutando da amizade e do amor paternal de Deus, falando o Senhor audivelmente com eles no jardim do Éden (cf. SEAMANDS, David. O Poder Curador da Graça. São Paulo: Vida, 2006, p. 49-50).
A voz que o homem ouve determina a sua identidade e destino; isto é assim hoje e também foi assim no Éden. O homem e mulher deram ouvidos a voz do Maligno e o pecado entrou no mundo, fazendo separação de Deus e corrompendo e degenerando todas as perfeições que o Senhor tinha concedido ao ser humano.   
Por conta disso, o mundo jaz no Maligno e em sua atuação infernal (1 João 5:19), de sorte que toda a criação, com o pecado original, ficou sujeita à vaidade e ao cativeiro da corrupção (Romanos 8:20-21), tendo o homem ficado cego espiritualmente e incapaz de discernir as coisas espirituais e sob o controle do “príncipe da potestade do ar” (Efésios 2:2) e, por isso, as Escrituras dizem que “a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Efésios 6:12). Toda a Terra e o homem ficaram contaminados pela iniquidade, de modo que esta passa a ser a grande estrutura de produção e reprodução dos pensamentos e dos comportamentos humanos.
Perdemos a perfeição física, pelo que somos sujeitos a doenças, ferimentos, deformidades, degenerações e, por fim, a morte física; perdemos a perfeição do relacionamento que tínhamos com Deus; perdemos a nossa perfeição mental, emocional e relacional, de sorte que todos os seres humanos na face da Terra têm relacionamentos partidos que necessitam ser restaurados.
O pecado original de Adão e Eva é comumente chamado de “queda”. De onde eles caíram? Relativamente à perfeição espiritual, eles caíram de um relacionamento íntimo com Deus; caíram de uma vida centrada no relacionamento com Deus para uma vida centrada no egoísmo, na satisfação de seus próprios desejos; a humanidade caiu em desgraça em relação a Deus (neste sentido, BAKER, Mark W. Jesus, o maior psicólogo que já existiu. Rio de Janeiro: Sextante, 2005, p. 51).
Trago à colação o que o Catecismo Maior de Westminster, um dos mais importantes documentos da Reforma Protestante, comenta a respeito da “queda”:

Em que consiste o pecado desse estado em que o homem caiu?
O pecado desse estado em que o homem caiu consiste na culpa do primeiro pecado de Adão, na falta de retidão na qual este foi criado e na corrupção da sua natureza pela qual se tornou inteiramente indisposto, incapaz e oposto a todo o bem espiritual e inclinado a todo o mal, e isso continuamente: o que geralmente se chama pecado original, do qual precedem todas as transgressões atuais (Rm 5:12, 19 e 5:6, e 3:10-12; Ef. 2:3; Rm 8:7-8; Gn 6:1; Tg 1:14-15; Mt. 15:19) (pergunta 25 do Catecismo Maior).

Qual é a miséria que a queda trouxe sobre o gênero humano?
A queda trouxe sobre o gênero humano a perda da comunhão com Deus, o seu desagrado e maldição; de modo que somos por natureza filhos da ira, escravos de Satanás e justamente expostos a todas as punições, neste mundo e no vindouro (Gn 3:8, 24; Ef 2:2-3; II Tm 2:26; Lc 11:21-22; Hb 2:14; Lm 3:39; Rm 6:23; Mt 25:41,46) (pergunta 27 do Catecismo Maior).

A Confissão Belga de 1561 também nos traz importantes ensinamentos ao assunto em comento:

ARTIGO 15
O PECADO ORIGINAL
Cremos que, pela desobediência de Adão, o pecado original se estendeu por todo o gênero humano (l). Este pecado é uma depravação de toda a natureza humana (2) e um mal hereditário, com que até as crianças no ventre de suas mães estão contaminadas (3). É a raiz que produz no homem todo tipo de pecado. Por isso, é tão repugnante e abominável diante de Deus que é suficiente para condenar o gênero humano (4).
Nem pelo batismo o pecado original é totalmente anulado ou destruído, porque o pecado sempre jorra desta depravação como água corrente de uma fonte contaminada (5). O pecado original, porém, não é atribuído aos filhos de Deus para condená-los, mas é perdoado pela graça e misericórdia de Deus (6). Isto não quer dizer que eles podem continuar descuidadamente numa vida pecaminosa. Pelo contrário, os fiéis, conscientes desta depravação, devem aspirar a livrar-se do corpo dominado pela morte (Rm 7:24).
Neste ponto rejeitamos o erro do pelagianismo, que diz que o pecado é somente uma questão de imitação [(1) Rm 5:12-14,19. (2) Rm 3:10. (3) Jó 14:4; Sl 51:5; Jo 3:6. (4) Ef 2:3. (5) Rm 7:18,19. (6) Ef 2:4,5].

Devido à “queda” no Éden, a natureza humana, com a perda da perfeição espiritual, degenerou-se, sendo tomada pela culpa e pela corrupção do pecado e, consequentemente, pela perda da perfeição relacional e pela perda de todas as demais perfeições originais. A corrupção do pecado introduziu no ser humano a raiz da rebelião contra Deus, do orgulho e do egoísmo, da ira pecaminosa, da violência e da vingança, da disposição mental inclinada para fazer o mal, da cegueira espiritual, bem como dos demais sentimentos negativos e condutas autodestrutivas (veja-se, por exemplo, Isaías 59, Romanos 1 e 2). Além disso, quanto à dimensão da culpa oriunda do pecado, homem e mulher herdaram a vergonha, os sentimentos de inferioridade e de inadequação, a deslealdade, o medo, a desconfiança, a fuga e a transferência da responsabilidade pelos erros e falhas, a inveja, a cobiça, a competição, o ódio, o rancor, o ressentimento, a mentira, entre outras barreiras que prejudicam os relacionamentos, o que nós transferimos e projetamos inclusive no nosso relacionamento com Deus.
Esta é a realidade que se evidencia do relato da “queda” contido em Gênesis 3. O homem e a mulher acreditaram nas mentiras da serpente e comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, desobedecendo a proibição que Deus tinha estabelecido e, assim, seus olhos foram abertos e conheceram que estavam nus, tendo passado a sentir a vergonha e os sentimentos de inferioridade e de inadequação de tal condição, pelo que se cobriram com folhas de figueira (v. 7) e tiveram medo e se esconderam quando o Senhor veio visitá-los no jardim na viração do dia (v. 10).
O Senhor cobrou a responsabilidade primeiramente de Adão, uma vez que o homem é o líder, cabeça do casal, tendo ele respondido: “A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (v. 12). Após cobrar a responsabilidade de Adão, o Senhor perguntou a Eva o que ela tinha feito, tendo ela respondido: “A serpente me enganou, e eu comi” (v. 13). A mulher, semelhantemente a Adão, transferiu sua culpa a outrem. Aqui começou a transferência de culpa e de responsabilidade: o homem culpou a mulher por sua falha e, mais ainda, com alta probabilidade, culpou Deus por ter dado aquela mulher para ele como esposa, isto é, ele insinuou que, se Deus não tivesse dado aquela mulher, ele não teria caído em desobediência, já que ele falou “a mulher que me deste por esposa” (grifo nosso).
Verifica-se que o homem em nada mudou desde o Éden para cá no que tange a sua essência corrompida; este mecanismo de defesa de colocar a culpa em outras pessoas pelas falhas pessoais ao invés de enfrentar o confronto e o desconforto das consequências de ter assumir a responsabilidade e se sujeitar às penas da desobediência e da transgressão tem sido uma distorção de caráter marcante na raça humana. Ocorrem as guerras, quem é o culpado? Pessoas passam fome, outras morrem no trânsito pela imprudência de motoristas bêbados, crianças e jovens são vítimas de abandono e de violência física, sexual e/ou verbal, calamidades climáticas acontecem destruindo lares de muitos, casais se divorciam e causam profundas mágoas entre si e desestruturam emocionalmente sua prole, quem é o culpado por tudo isso? “Por que Deus não impediu?”, dizem os homens ao invés de assumir a responsabilidade pela maldade da raça humana. A vontade de Deus é boa, perfeita e agradável (Romanos 12:2) e, se estamos cercados pela morte, pelas tragédias, pelas violências, assim o estamos em decorrência do livre arbítrio do homem e não por culpa de Deus. A este respeito, veja-se o que diz a Segunda Confissão Helvética, outro importante documento da Reforma Protestante, elaborado em 1562, em sua parte 8:

Deus não é o autor do pecado; e até onde se pode dizer que ele endurece. Está claramente escrito: “Tu não és Deus que se agrade com a iniquidade. Aborreces a todos que praticam iniquidade. Tu destróis os que proferem mentira” (Salmo 5.4 ss). E de novo: “Quando ele [o diabo] profere a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (João 8.44). Além disso, há em nós suficiente pecado e corrupção, não sendo necessário que Deus em nós infunda uma nova e ainda maior depravação. Quando, portanto, se diz nas Escrituras que Deus endurece, cega e entrega a uma disposição réproba de mente, deve-se entender que Deus o faz mediante um justo juízo, como um Juiz Vingador e justo. Finalmente, sempre que na Escritura se diz ou parece que Deus faz algo mal, não se diz, por isso, que o homem não pratique o mal, mas que Deus o permite e não o impede, segundo o seu justo juízo, que poderia impedi-lo se o quisesse, ou porque ele transforma o mal do homem em bem, como fez no caso do pecado dos irmãos de José, ou porque ele próprio controla os pecados, para que não irrompam e grassem mais largamente do que convém. Santo Agostinho escreve em seu Enchiridion: “De modo admirável e inexplicável não se faz além da sua vontade aquilo que contra a sua vontade faz. Pois não se faria, se ele não o permitisse. E, no entanto, ele não o permite contra a vontade, mas voluntariamente. O bom não permitiria que se fizesse o mal, a não ser que, sendo onipotente, pudesse do mal fazer o bem”. É isso o que ele diz.

Deus não aceitou as desculpas do homem e da mulher, de maneira que tiveram de responder diante de Deus por seus atos e colher as consequências e o castigo em virtude da ofensa praticada (vv. 16-24) e, de igual modo, cada um de nós comparecerá diante do Trono da Justiça do Senhor para sermos julgados; a maldade do homem não ficará de modo algum impune; não há nada que nos fará escapar da ira vindoura de Deus, a não ser que sejamos lavados e remidos pelo sangue do Cordeiro, do Senhor Jesus Cristo, sendo que a promessa do nosso salvador já se encontra aqui no episódio de Gênesis 3, quando Deus decreta que “o descendente” da mulher feriria a cabeça da serpente:

Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar (vv. 14-15 - ARA). 

Note-se também que o Senhor não deixou a conduta do diabo impune; desde aquele momento, Deus decretou a derrota de satanás pelo Messias vindouro. Em Gênesis 3:14-15, encontra-se, portanto, o “protoevangelho”, o Evangelho em embrião. E aconteceu da forma como o Senhor determinou, o diabo tão somente feriu o calcanhar do Senhor Jesus com suas tentações e perseguições, porque a morte do Messias foi determinação de Deus como propiciação, como pagamento pelo pecado do homem e não obra do diabo; foi Deus quem descarregou sua ira em razão do pecado do homem e determinou a morte de Jesus como substituta da nossa morte, tendo este plano da salvação sido elaborado pela Trindade desde antes da fundação do mundo, conforme se depreende, por exemplo, de Apocalipse 13:8, em que Jesus é referido como o “Cordeiro morto desde a fundação do mundo”, bem como de Efésios 1:4, em que as Escrituras são claras em afirmar que Deus nos escolheu nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele (ver também 2 Tessalonicenses 2:13, Romanos 8:29-30).

III) A “queda” e a atuação da serpente: a operação da iniquidade da rejeição como modelo de conquista do inferno, bem como a necessidade de restauração das capacidades relacionais do homem como uma das essências do Evangelho do Reino de Deus

Uma questão que deve ser ressaltada é a grave consequência da maldição imposta sobre a serpente em Gênesis 3:14, conforme se transcreve novamente: “Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida” (ARA). Ela foi condenada a rastejar e a se alimentar de pó. E nós somos feitos de quê? Do pó da terra, conforme se infere de Gênesis 2:17: “Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente” (ARA). Loucura? Heresia? Não, a mais pura verdade. O diabo, por longas eras, tem se alimentado dos nossos pecados, da nossa natureza corrupta e da nossa maldade para provocar a destruição de tudo que tem fôlego de vida e reflete a criação de Deus, inclusive a destruição da nossa autoimagem criada para refletir a imagem e semelhança de Deus, a qual fica partida e estilhaçada pela operação do inimigo no processo de construção dos padrões de comportamento da iniquidade. Consultando o Dicionário Hebraico do Antigo Testamento de J. Strong, verifica-se que a palavra hebraica para pó é āphār, que pode ser traduzida como poeira pulverizada ou cinzenta, como barro, terra, lama, sendo a mesma palavra usada em Gênesis 2:17 para designar o material usado para formar o primeiro homem (cf. Bíblia de Estudo Palavras-Chave. Rio de Janeiro: CPAD, 2011, p. 1848, verbete 6083 do hebraico). Aliás, o diabo se alimentou tanto e ainda se alimenta de nós, que engordou e cresceu, tendo passado por uma “metamorfose” que o transformou de uma serpente para um grande e horrendo dragão, o que se encontra em Apocalipse 12:3-9:

Viu-se, também, outro sinal no céu, e eis um dragão, grande, vermelho, com sete cabeças, dez chifres e, nas cabeças, sete diademas. A sua cauda arrastava a terça parte das estrelas do céu, (...) E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos (ARA) (grifo nosso).

O poder de destruição do inimigo neste mundo é tão forte que o texto acima transcrito fala que a cauda do dragão arrastava a terça parte das estrelas do céu.
Você ainda acha que o pecado é pouca coisa?
A corrupção do pecado é um mal hereditário que alcança toda a raça humana e é transmitida de geração em geração. Através desta raiz da maldade, qual seja a iniquidade, o inimigo institui a perversão e a destruição que vêm do reino das trevas, modelando as mentes dos homens com todo o tipo de padrão de pensamento desviado da vontade de Deus (fortalezas espirituais ou fortalezas de mente), bem como embrutecendo os corações em patamares ainda mais elevados, não sendo à toa quando as Escrituras dizem que, por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos (Mateus 24:12), isto é, quanto maior o nível de aprofundamento do homem nos padrões distorcidos da iniquidade, menor é a medida de amor que ele tem.
Por meio da operação da iniquidade no ser do homem, o inimigo tem construído seu poderio, de sorte que, conforme dito acima, o mundo jaz no maligno e fica sujeito ao cativeiro da corrupção.

7 Com efeito, o mistério da iniquidade já opera e aguarda somente que seja afastado aquele que agora o detém; 8 então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda. 9 Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, 10 e com todo engano de injustiça aos que perecem, porque não acolheram o amor da verdade para serem salvos. 11 É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro, para darem crédito à mentira, 12 a fim de serem julgados todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário, deleitaram-se com a injustiça (2 Tessalonicenses 2 – ARA).

O ser humano ficou com um estado emocional corrompido e uma mente reprovável, isto é, com uma estrutural espiritual, mental e emocional adequada para receber o padrão de satanás e do inferno através da operação da iniquidade por meio de manifestações de poder, sinais e prodígios da mentira, de enganos de injustiça, inclusive os enganos relativos à nossa identidade, operações de erro, entre outros meios, a fim de que as pessoas não acolham o amor da verdade para serem salvas.
Qual é o padrão de conquista do diabo? A negação do amor, isto é, a rejeição, em oposição à essência de Deus, que é amor (cf. GUILLEN, Fernando. Se7e Montes. Belo Horizonte: Editora Se7e Montes, 2009, p. 119). A rejeição é uma ferida na alma (mente e emoções), uma raiz de iniquidade, que vem como consequência da negação do amor, uma vez que atinge nossas necessidades fundamentais de aceitação e aprovação, as quais devem ser preenchidas para que o ser humano goze de estabilidade e inteligência emocionais, desenvolva-se e alcance todo o seu potencial. A rejeição causa feridas no “eu” da pessoa, as quais transcendem a esfera da alma, alcançando a mente e o coração, fazendo com que a pessoa se sinta indesejada, não querida, não aceita, não aprovada pelas pessoas e, assim, causando uma série de anormalidades emocionais e mentais na personalidade em decorrência da distorção da autoimagem e autoestima negativa que a pessoa ferida em seus relacionamentos passa a nutrir, tais como ódio, rancor, ressentimento, ira, orgulho ferido, vitimização de si (autocomiseração), desconfiança, insegurança, inveja, competição, complexos de inferioridade, depressão, perfeccionismo, dependência emocional, doenças psicossomáticas.
Todos nós passamos, em algum momento de nossas vidas, por experiências de negação do amor em maior ou menor escala, recebendo feridas de rejeição, sendo as mais profundas aquelas que acontecem de maneira intensa e traumática (ex: abuso sexual, psicológico, físico e/ou religioso) no período da infância e adolescência (e até mesmo na vida intrauterina, já que tudo aquilo que a mãe sente o feto também sente, sendo internalizada memória dele todas as experiências de rejeição que a mãe tenha experimentado em relação a ela ou ao feto – neste sentido, consultar SEAMANDS, David. 2 ed. A Cura das Memórias. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, p. 5-17), principalmente quando ocorrem no relacionamento com os pais e familiares e/ou figuras de autoridade, uma vez que é neste tipo de relacionamento que são formatadas na mente e no coração do homem os referenciais de amor, aceitação, aprovação, identidade, segurança, autoridade; se tais relacionamentos são prejudicados pela rejeição, a alma humana fica ferida, apresentando as distorções emocionais e mentais citadas acima, as quais serão transferidas e projetadas em todos os demais relacionamentos, prejudicando a capacidade de se relacionar de forma sadia, inclusive em relação a Deus, a quem não conseguimos ver com uma fonte de amor incondicional; também acabamos por ferir as pessoas com as mesmas armas com as quais nos feriram (neste sentido, GUILLEN, Fernando. O Espírito de Rejeição. Belo Horizonte: Ministério Se7e Montes, s/d. 2 DVD).
O antídoto para as feridas da rejeição é o perdão. O perdão é a porta de entrada do Reino de Deus; só temos a possibilidade de ter relacionamento com Deus, porque Ele primeiramente nos perdoa por intermédio do sacrifício de Cristo na cruz e, de semelhante modo, devemos perdoar as ofensas cometidas contra nós. Jesus é a ponte criada para que possamos atravessar o abismo criado entre nós e Deus em decorrência do pecado. Jesus é a nossa reconciliação com Deus. Falar do Reino de Deus, portanto, é falar de relacionamento e de restauração de relacionamento:

9 Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. 10 Porque, se nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela sua vida; 11 e não apenas isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, por intermédio de quem recebemos, agora, a reconciliação (Romanos 5 - ARA).

            Através do sacrifício de Jesus, não somente se abriu a porta para a reconciliação com Deus, mas também recebemos do Senhor a grande comissão para sermos embaixadores de Cristo e pregar, curar e restaurar através da Palavra da reconciliação (2 Coríntios 5:18-20).

A essência do Evangelho é a restauração de relacionamentos. Todos nós temos, em maior ou menor proporção, aspectos relacionais que necessitam de cura e de restauração, porque não há ser humano que não tenha experimentado perdas, frustrações, decepções e/ou traumas decorrentes de seus relacionamentos e, na medida em que estes aspectos relacionais vão sendo restaurados, sobretudo com a liberação do perdão, a atribuição de um novo significado em relação às ofensas praticadas e o desenvolvimento de novas atitudes de retidão de comportamento, de glória em glória, a nossa mente vai sendo transformada dos antigos padrões da iniquidade da rejeição e a nossa personalidade vai sendo restaurada e conformada à imagem e semelhança do nosso Senhor Jesus (2 Coríntios 3:16-18).

[Continua na parte 2]


PABLO LUIZ R. FERREIRA
rugidodaverdade.blogspot.com
pablolrferreira@hotmail.com

segunda-feira, 24 de junho de 2013

CURA GAY? NÃO SEJA ENGANADO COM O QUE A MÍDIA DIZ




Esses dias, a confusão está armada em torno do projeto de lei da “Cura Gay”.
Primeiramente, gostaria de dizer que esse nome chamado de “Cura Gay” foi um nome inventado pela mídia para causar sensacionalismo em torno do projeto de Decreto legislativo nº 234/2011 e, logicamente, barrar o projeto para tornar a questão da homossexualidade como algo indiscutível.
O nome “cura gay” não consta de nenhum dos dispositivos do projeto de decreto legislativo e, para provar isso, acesse o seguinte link da Câmara dos Deputados em que o projeto tramita: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=505415. Lá você verá a íntegra do projeto, incluindo a sua exposição de motivos e os pareceres dados.
Em nenhum momento, o projeto tomou qualquer orientação discriminatória em relação aos homossexuais. O que se visa é sustar a vigência de dois artigos da Resolução nº 1/99 do Conselho Federal de Psicologia, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.
A malfadada resolução atinge direitos fundamentais básicos do cidadão, notadamente o seu direito à autodeterminação, isto é, o direito que cada pessoa tem de se definir e gerir sua consciência, o direito de uma pessoa que, estando homossexual, não se sente satisfeito com tal orientação e quer ajuda para resolver tal condição e mudar sua orientação sexual. E, para viabilizar tal tratamento, um dos primeiros passos que a pessoa precisa saber é onde encontrar ajuda, onde encontrar um terapeuta que entenda da questão e possa atuar de forma eficaz nesse processo de mudança de orientação, o que é inviabilizado pelos atuais ditames da Resolução nº 1/99, a qual em seu art. 3º, parágrafo único assim dispõe: “Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”.
Eu não vou entrar no mérito da questão de definir a homossexualidade como doença ou não, bem como o que a psicologia entende por cura. Não é essa a questão, não se está a discutir tais aspectos, já que, é claro, a questão não é de doença. A questão crucial é a defesa de direitos fundamentais do cidadão que quer ajuda e tratamento para mudar de orientação e se vê alvejado por balas de uma “discriminação inversa” e é obrigado a engolir que sua situação não tem jeito.
Por que a homossexualidade não tem tratamento? Só por que o movimento GLBT diz? Por que as pessoas são obrigadas a aceitar que essa é uma questão que não pode ser debatida? Só por que o movimento GLBT diz?
Assim dispõe o art. 4º da Resolução assim diz: “Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica”. Tal dispositivo viola os direitos fundamentais de livre expressão, de manifestação do pensamento, de liberdade de crença, bem como da liberdade da atividade intelectual, que não pode ser submetida a censura ou licença, além de cercear a autonomia do profissional de psicologia na atuação da corrente científica que acredita.
Essa é uma questão tão autoritária que o profissional de psicologia não pode nem se manifestar sobre o assunto, nem anunciar a pesquisa de forma pública ou tampouco anunciar que seu consultório é especializado em tal questão de ajuda profissional a pessoas que querem mudar sua orientação sexual e, sem esse sagrado direito à informação, a pessoa fica inviabilizada de encontrar a ajuda adequada.
Não se trata de questão de doença que necessita de cura, mas de uma dor, de um conflito existencial que necessita ser tratado sim; ninguém pode impor para alguém, nem mesmo o movimento GLBT, que uma pessoa tenha de se conformar com uma dor não resolvida e assumir uma “identidade gay”.
Tratamento? Sim, existe sim. E não são poucos os profissionais que acenam nessa direção e tanto é assim que, por exemplo, um grupo norte-americano de psicólogos fundou o NARTH (Associação Norte-Americana para Pesquisa e Tratamento da Homossexualidade), a qual tem produzido ampla pesquisa sobre esse assunto e capacitado muitos terapeutas a atuar nessa área: www.narth.com
Enfim, não se quer discriminar o movimento GLBT, mas espero da parte deles que eles respeitem a liberdade de quem quer mudar.

Pablo Ferreira – 21 de junho de 2013.